Despelar não é legal. Estou me sentindo
uma cobra, com esses buracos em forma de bolha estourada na minha pele... Não é
legal. Mas pelo menos é minha pele que está saindo – pele é tudo igual; mas e
quem está se desfazendo de coisas que importam? E quem se despega de amigos,
familiares, hábitos, sentimentos? Enquanto eu reclamo de um excesso de feiúra
efêmero, existem pessoas despelando uma vida inteira lá fora. E o pior é que eu
sei que vai acontecer comigo – intenso ou suave – mas isso vai acontecer. Acontece
com todos.
Vai chegar um dia em que eu vou ver que
estou usando uma pele totalmente nova – e quando olhar para o que deixei pra
trás, espero não entristecer, por ver amigos ali, por ver emoções, hábitos,
facilidades que nunca duram... depois olhar para as mãos e ver nelas apenas
lembranças.
É preciso fazer isso. Sempre acontece,
não há como evitar. Mas eu tenho certeza que tudo vai estar bem quando acabar –
quando a pele nova me envolver por completo. Só não quero esquecer daqueles que
fizeram parte do que veio antes. Não quero. Quero manter o que puder do que
tenho hoje, quero continuar sendo feliz. Talvez inocente, mas quem sabe? Eu
espero levar meus melhores amigos pra sempre, e vou dar meu máximo para isso.
Porque ninguém despela o corpo todo – não humanos, pelo menos, esqueçamos as
cobras – e o que é velho as vezes é melhor do que certas coisas novas. Quem não
já se sentiu atraído pelo desconhecido, por pessoas, coisas, sentimentos que se
mostraram ser nem tudo o que realmente eram?
Não quero, então, me desfazer de tudo. Vou
dar adeus ao que não vou precisar e levar comigo aqueles que couberem na mala.
Nem que todos viajem bem apertados, entupindo meu coração cada vez mais cheio. Estou
me sentindo uma cobra. Despelar não é legal.