sexta-feira, 13 de abril de 2012

A outra forma de ver

     No início desse ano, recebemos um aluno cego em nossa sala de aula. Era o primeiro integrante da turma com alguma deficiência, e alguns não sabiam lidar com isso. Faziam brincadeiras, deboches e até mesmo atazanavam o pobre coitado - infantilidade, diziam os professores, mas a infância normalmente é sinônimo de inocência; o que eles faziam era perversidade. Mas ele era uma pessoa boa, e nunca perdia a paciência. Pouco tempo antes de eu e ele começarmos um amizade, passou-se um caso interessante.
     Uma garota da nossa sala, Marília, começou a conversar com Nataniel (o garoto) desde que ele chegou na sala. Andavam juntos para todos os cantos, ela o acompanhava onde quer que ele fosse e estavam sempre conversando. Formavam um casal bonito, e era bom ver os dois juntos; Marília nunca tivera muitos com quem conversar, só algumas poucas amigas. Tachavam-na de feia, boba, ridícula... mas não era nada disso. Marília era extremamente divertida e inteligente, e tinha um coração puro, livre de maldades e de qualquer frieza. Se deu bem com Nataniel de imediato.
     Um dia, quando Nataniel já tinha feito alguns amigos, estes, conversando com ele, "alertaram-no":
     - Rapaz, tome cuidado... essa Marília é feia que dói! - e riam.
     Nataniel balaçou a cabeça em desaprovamento, o sorriso de todos os momentos no rosto.
     - Vocês esquecem que eu não tenho olhos... E essa privação me faz ver de outra maneira. Diferente de vocês, enxergo com o coração, como todos deveriam enxergar; isso faz da minha cegueira não uma deficiência, e sim, uma virtude. Vejo as pessoas como elas são, e, se enxergassem como eu, veriam o quão bonita ela realmente é.
     Aquilo me fez pensar. Sim, a maioria de nós vê com os olhos - mas não nos seria melhor, e mais vantojoso, ver com o coração? Talvez assim pudessem ser evitadas tantas futilidades do mundo humano, talvez assim pudessesmos ver todos como realmente são, e dar a cada um o valor que merecem. Talvez assim, não excluíssemos quem apenas por um detalhe é diferente de nós, e aí sim seríamos, pelo conceito que nós mesmos estabelecemos, humanos. Nataniel me ensinou algo que vou levar para a vida inteira naquele dia, e espero que muitos outros ainda possam aprender com ele - pois mesmo sem seus olhos, ele consegue ver muito além de pessoas que dizem enxergar perfeitamente.

3 comentários:

  1. Parabéns filho! Um dia eu havia comentado com você sobre este assunto e agora vejo que vc entendeu perfeitamente a mensagem! Tente sempre enxergar com os olhos e não apenas com a visão. A beleza que existe hoje, amanhã se acaba. Quem só escolhe pela beleza sem conteúdo, no futuro terá o quê?

    ResponderExcluir
  2. Maravilhoso, Victor.

    Quem está escrevendo é Ariel Ayres, o escritor que deu palestra pra sua turma no Marista na Estação das Letras.

    Normalmente, quem mais vê é quem não pode.

    Parabéns

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ei, desculpe a demora, não vinha aqui há um tempo... muito obrigado pelo tempo e pelo o elogio!! Felicidades!

      Excluir