sábado, 31 de dezembro de 2011

E o terno descolorido contra o espírito de ano novo no aeroporto

          Toda a alegria, a felicidade, todo o frisson do espírito de ano novo encontravam finalmente seu oposto no rosto do entediado atendente de terminal aeroviário, que encarava um senhor de meia idade vestido num descolorido terno executivo, este que, por sua vez, ostentava uma expressão de descontentamento absoluto.
            - Como assim “vai atrasar”? – o homem no terno exclamou, um tom mais alto do que o suficiente para atrair alguma atenção para si num lugar lotado; mas aquele lugar não estava lotado. No último dia do ano, ninguém queria passar o Réveillon no aeroporto ou num avião. O usual som de passos, tão comum nos aeroportos, havia viajado junto com as centenas de pessoas que foram passar a virada de ano com sua família ou amigos. Sendo assim, nenhuma cabeça se virou na direção do avermelhado homem grisalho, e sua voz ecoou pelo imenso saguão.
            - No momento estamos passando por dificuldades técnicas, senhor. Agradecemos sua compreensão.
           O problema técnico tinha relação com um piloto bêbado e uma deficiência numérica quanto aos tripulantes, mas o cliente não precisava saber disso.
          Um rosto castigado pela idade contorceu-se numa expressão que certamente lhe garantiria mais rugas ainda e se virou para dar as costas ao jovem homem que se esforçava ao máximo para ignorar o fato que estava prestando serviço a um aeroporto virtualmente vazio. Os passos do homem velho o levaram ao banco no qual ele havia deixado sua maleta. Devido ao seu rosto furioso, até ele mesmo se espantou quando alguém sentou-se ao seu lado.
          - Olá, Alberto. – disse-lhe o rosto estranhamente familiar – e estranho não era o modo como era familiar, e sim o fato de lhe ser familiar, já que não tinha muitos amigos.
          - Eu deveria te conhecer? – perguntou Alberto, ao qual a educação nunca havia lhe feito o favor de bater à porta.
          - Deveria. Mas não é de costume do patrão ter intimidade com seus empregados, não é mesmo?
          Constrangido como poucas vezes havia estado, o homem estranhou a falta de medo e a hesitação que os trabalhadores costumavam apresentar ante a ele.
          - Por acaso esqueceu o respeito em casa? – ele disse, após recuperar sua postura esnobe.
          - Acho que eu não lhe devo mais respeito algum.
          - Então por acaso já tem outro emprego? – ele tentou ameaçar a corajosa mulher, que o fitava com olhos mais frios do que os do próprio homem.
          - Não, eu não tenho. E esse é exatamente o problema.
          O homem estava então completamente perdido.
          - Ah, você não se lembra, não é mesmo? – ela perguntou, num misto desagradável de incredulidade e desgosto. – Você me demitiu, imbecil.
          As palavras duras atingiram o executivo como uma porta de vidro despedaçando-se em sua cabeça.  
          - Mas não fez diferença nenhuma, não é? Você não sabe nem ao menos meu nome. Pra que se importar se eu preciso ou não do seu dinheiro? Por que fazer um esforço para me conhecer, para saber se eu não dependo do salário mesquinho que você, miseravelmente, me pagava.
          Embora fizesse idéia de que aquela era a realidade, a própria nunca havia sido jogada em sua cara de forma tão intensa e... e... o homem perdia-se em meio aquele novo panorama.
          - Ahn... desculpe-me, eu devo pedir.
          - Isso não vale muito. Mas tudo bem, vamos tentar dar alguma utilidade ao seus sentimentos fúteis de perdão.
          O homem nunca havia sido tão humilhado em toda a sua vida.
          - Está viajando para onde? – ela perguntou.
          - Mônaco. Ver a família.
          - Ah, família! Surpresa você ter uma. Mas tudo bem. Fale sobre ela. Porque não mora com você?
          Com vergonha de responder, o executivo manteve a resposta presa em dentro de si, encurralada embaixo de um apertado nó na garganta.
          - Cadê a educação, eim? Responda!
          - Porque eles não me aguentam. – ele resmungou, baixo demais.
          - Como? – respondeu Ester, rindo, apesar de ter ouvido muito bem a resposta.
          - Eles não me aguentam. – antes que Ester pudesse rir mais, ele continuou. – E agora, quando eu me esforço para por uma vez visitá-los, me falta um vôo. O que eles vão pensar de mim?
          Para a surpresa da mulher, ele estava à beira das lágrimas.
          - Me desculpe. – ela perguntou, gaguejando e incerta.
          - Não, tudo bem. Você só está descontando.
          - Eu não tenho esse direito. Só porque... ah, esquece. É ano novo, deveríamos estar comemorando.
           - Tem razão. E você, pra onde ia?
           Ela sorriu, mas evitou comentários sobre a educação dele finalmente chegar. 
          - Moçambique. Voltar para casa. Agora que eu não tenho mais emprego...
          Ele se sentiu ainda mais constrangido.
          - Quer voltar? - Ele perguntou, após um silêncio constrangedor. 
          Ester estranhou.
          - Como?
          - Voltar pra empresa.
          - Claro!
          - É o mínimo que eu posso fazer. Depois de tudo. Afinal... para alguns, em algum momento, a humilhação é o maior presente que se pode ser dado.
          Ela sorriu. Agradeceu, e o espírito do ano novo finalmente adentrou o saguão, agora não mais tão vazio.             

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Paixonite e um falso suicídio

          Esta madrugada acordei com paixonite. A noite já se despedia, e junto a ela, eu dava adeus mais uma vez à minha cidade natal. Mas que fique claro, não foi esta a me adoentar com o vírus imaterial da paixonite; foi, pois, uma garota não muito singela, talvez um pouco meiga, muito bonita e com um jeito apaixonante de ser única. É claro que, sendo apenas uma paixonite passageira, logo passará, mas por toda viagem me atormentei em pensar em quão escassas nossas conversas foram até o momento, e constatei que realmente tenho problemas para conversar com pessoas que insistem em desviar minha atenção para sua deslumbrante beleza.
          Sempre me assusto ao constatar que a paixonite não está entre as 100 piores doenças existentes (pelo menos não oficialmente). Apesar de não ser fatal – mesmo que por vezes seja, se bem que indiretamente – ela provoca horríveis dores na vítima, dores psicológicas que por vezes são sentidas como se fossem reais; sem mencionar a asfixia momentânea ao olhar para a/o transmissor(a) e a vergonha que se sente ao perceber que o que se acabou de dizer é absolutamente ridículo.
          Não é preciso de assistência médica para diagnosticar a paixonite: você sabe quando tem. Se bem que a medicina realmente nunca teve participação muito promissora no tratamento da doença, que normalmente é combatida usando conselhos e sabedoria popular, métodos rústicos que muitas vezes se provam ineficientes. O melhor remédio para a paixonite é o contato íntimo e direto com o transmissor. Após certo tempo de medicação, os sintomas desaparecem ou são revertidos, ou mesmo agravam-se (se é que este é o termo certo), dando lugar à uma necessidade absoluta de se estar ao lado da pessoa que o contaminou – e a qual você também contaminou, para o agravamento completo.
          O Sol nasce e me recuso a olhar mais uma vez para a cidade, com medo de sofrer permanentemente de outra doença: a saudade, que pode também vir na forma de nostalgia. Coloco a última das malas no carro e fecho o compartimento. Subo ao apartamento mais uma vez só para chamar quem ainda está por lá, enquanto redijo esse texto mentalmente e imagino se ela algum dia o lerá. A visão acidental do sol sobre as casas e o prédio solitário ao longe derruba qualquer resistência minha e eu vou até o parapeito, dando uma última olhada para o local onde nasci, enquanto reviso mentalmente estratégias que sei que são e já se provaram inúteis para destronar a vontade monárquica de estar próximo à transmissora. Respiro pela última vez o ar da minha cidade e pulo pela janela do apartamento.
          Não, brincadeira, eu desço as escadas e entro no carro, em direção à outra cidade querida. A saudade, não só da cidade quanto da garota, vai me torturar por algum tempo, eu sei. Mas eu acho que resisto; se bem que isso só o tempo dirá.     
             

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Desculpem pela demora

Estou viajando por esses tempos, por isso a demora para atualizar o blog com um conto novo. Perdão! Logo estarei postando algo novo.

Abraços,

Victor

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Recomeçar


          Às vezes um reinício é tudo de que precisamos. Um reinício para abrir nossos olhos e nos fazer ver aquilo que normalmente é invisível aos olhos comuns. Para que possamos enxergar com clareza tudo que fizemos de errado e simplesmente consertar, construindo assim, dali em diante, uma rotina melhor, uma vida melhor. 
          Recomeçar é uma ação que pode ser feita diversas vezes, indo desde uma intenção fútil ou inteiramente falsa ou desmotivada até um verdadeiro novo começo, uma mudança geral para melhor na vida de uma pessoa. Mas, na maioria das vezes, os verdadeiros recomeços nunca são intencionais ou planejados. Eles surgem vindos do desconhecido, fruto de uma ação externa que nos força a perceber o quanto sempre estivemos errados. Às vezes de um conselho, ou uma decepção pessoal, ou até mesmo de um acidente, ou qualquer evento, desafortunado ou não.
          Quando você perceber que sua vida está completamente errada, que as coisas não estão no lugar certo, não force um recomeço: eles vêm com o tempo. Se nada aconteceu, é porque simplesmente não é a hora. Muitas vezes nem mesmo precisamos de um recomeço: nossa vida é perfeita como ela é e simplesmente não conseguimos enxergar isso. As mudanças vêm com o tempo, e nem todas elas são um recomeço. Algumas mudanças vêm em forma de acontecimentos, outras em formas de pensamentos, e outras em formas de pessoas. Essas últimas costumam ser mais efetivas, e são essas que muitas vezes nos levam a recomeços. Nunca se esqueça que um bom recomeço, na hora certa, é o melhor presente que você pode dar alguém, mas saiba que não é você que o transmite: assim como quando você começa uma nova vida devido a alguém, não é a intenção dessa pessoa que vale, e sim o que você faz com essa intenção.

          Um feliz ano novo a todos, e que recomecemos todos!