sábado, 31 de dezembro de 2011

E o terno descolorido contra o espírito de ano novo no aeroporto

          Toda a alegria, a felicidade, todo o frisson do espírito de ano novo encontravam finalmente seu oposto no rosto do entediado atendente de terminal aeroviário, que encarava um senhor de meia idade vestido num descolorido terno executivo, este que, por sua vez, ostentava uma expressão de descontentamento absoluto.
            - Como assim “vai atrasar”? – o homem no terno exclamou, um tom mais alto do que o suficiente para atrair alguma atenção para si num lugar lotado; mas aquele lugar não estava lotado. No último dia do ano, ninguém queria passar o Réveillon no aeroporto ou num avião. O usual som de passos, tão comum nos aeroportos, havia viajado junto com as centenas de pessoas que foram passar a virada de ano com sua família ou amigos. Sendo assim, nenhuma cabeça se virou na direção do avermelhado homem grisalho, e sua voz ecoou pelo imenso saguão.
            - No momento estamos passando por dificuldades técnicas, senhor. Agradecemos sua compreensão.
           O problema técnico tinha relação com um piloto bêbado e uma deficiência numérica quanto aos tripulantes, mas o cliente não precisava saber disso.
          Um rosto castigado pela idade contorceu-se numa expressão que certamente lhe garantiria mais rugas ainda e se virou para dar as costas ao jovem homem que se esforçava ao máximo para ignorar o fato que estava prestando serviço a um aeroporto virtualmente vazio. Os passos do homem velho o levaram ao banco no qual ele havia deixado sua maleta. Devido ao seu rosto furioso, até ele mesmo se espantou quando alguém sentou-se ao seu lado.
          - Olá, Alberto. – disse-lhe o rosto estranhamente familiar – e estranho não era o modo como era familiar, e sim o fato de lhe ser familiar, já que não tinha muitos amigos.
          - Eu deveria te conhecer? – perguntou Alberto, ao qual a educação nunca havia lhe feito o favor de bater à porta.
          - Deveria. Mas não é de costume do patrão ter intimidade com seus empregados, não é mesmo?
          Constrangido como poucas vezes havia estado, o homem estranhou a falta de medo e a hesitação que os trabalhadores costumavam apresentar ante a ele.
          - Por acaso esqueceu o respeito em casa? – ele disse, após recuperar sua postura esnobe.
          - Acho que eu não lhe devo mais respeito algum.
          - Então por acaso já tem outro emprego? – ele tentou ameaçar a corajosa mulher, que o fitava com olhos mais frios do que os do próprio homem.
          - Não, eu não tenho. E esse é exatamente o problema.
          O homem estava então completamente perdido.
          - Ah, você não se lembra, não é mesmo? – ela perguntou, num misto desagradável de incredulidade e desgosto. – Você me demitiu, imbecil.
          As palavras duras atingiram o executivo como uma porta de vidro despedaçando-se em sua cabeça.  
          - Mas não fez diferença nenhuma, não é? Você não sabe nem ao menos meu nome. Pra que se importar se eu preciso ou não do seu dinheiro? Por que fazer um esforço para me conhecer, para saber se eu não dependo do salário mesquinho que você, miseravelmente, me pagava.
          Embora fizesse idéia de que aquela era a realidade, a própria nunca havia sido jogada em sua cara de forma tão intensa e... e... o homem perdia-se em meio aquele novo panorama.
          - Ahn... desculpe-me, eu devo pedir.
          - Isso não vale muito. Mas tudo bem, vamos tentar dar alguma utilidade ao seus sentimentos fúteis de perdão.
          O homem nunca havia sido tão humilhado em toda a sua vida.
          - Está viajando para onde? – ela perguntou.
          - Mônaco. Ver a família.
          - Ah, família! Surpresa você ter uma. Mas tudo bem. Fale sobre ela. Porque não mora com você?
          Com vergonha de responder, o executivo manteve a resposta presa em dentro de si, encurralada embaixo de um apertado nó na garganta.
          - Cadê a educação, eim? Responda!
          - Porque eles não me aguentam. – ele resmungou, baixo demais.
          - Como? – respondeu Ester, rindo, apesar de ter ouvido muito bem a resposta.
          - Eles não me aguentam. – antes que Ester pudesse rir mais, ele continuou. – E agora, quando eu me esforço para por uma vez visitá-los, me falta um vôo. O que eles vão pensar de mim?
          Para a surpresa da mulher, ele estava à beira das lágrimas.
          - Me desculpe. – ela perguntou, gaguejando e incerta.
          - Não, tudo bem. Você só está descontando.
          - Eu não tenho esse direito. Só porque... ah, esquece. É ano novo, deveríamos estar comemorando.
           - Tem razão. E você, pra onde ia?
           Ela sorriu, mas evitou comentários sobre a educação dele finalmente chegar. 
          - Moçambique. Voltar para casa. Agora que eu não tenho mais emprego...
          Ele se sentiu ainda mais constrangido.
          - Quer voltar? - Ele perguntou, após um silêncio constrangedor. 
          Ester estranhou.
          - Como?
          - Voltar pra empresa.
          - Claro!
          - É o mínimo que eu posso fazer. Depois de tudo. Afinal... para alguns, em algum momento, a humilhação é o maior presente que se pode ser dado.
          Ela sorriu. Agradeceu, e o espírito do ano novo finalmente adentrou o saguão, agora não mais tão vazio.             

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Paixonite e um falso suicídio

          Esta madrugada acordei com paixonite. A noite já se despedia, e junto a ela, eu dava adeus mais uma vez à minha cidade natal. Mas que fique claro, não foi esta a me adoentar com o vírus imaterial da paixonite; foi, pois, uma garota não muito singela, talvez um pouco meiga, muito bonita e com um jeito apaixonante de ser única. É claro que, sendo apenas uma paixonite passageira, logo passará, mas por toda viagem me atormentei em pensar em quão escassas nossas conversas foram até o momento, e constatei que realmente tenho problemas para conversar com pessoas que insistem em desviar minha atenção para sua deslumbrante beleza.
          Sempre me assusto ao constatar que a paixonite não está entre as 100 piores doenças existentes (pelo menos não oficialmente). Apesar de não ser fatal – mesmo que por vezes seja, se bem que indiretamente – ela provoca horríveis dores na vítima, dores psicológicas que por vezes são sentidas como se fossem reais; sem mencionar a asfixia momentânea ao olhar para a/o transmissor(a) e a vergonha que se sente ao perceber que o que se acabou de dizer é absolutamente ridículo.
          Não é preciso de assistência médica para diagnosticar a paixonite: você sabe quando tem. Se bem que a medicina realmente nunca teve participação muito promissora no tratamento da doença, que normalmente é combatida usando conselhos e sabedoria popular, métodos rústicos que muitas vezes se provam ineficientes. O melhor remédio para a paixonite é o contato íntimo e direto com o transmissor. Após certo tempo de medicação, os sintomas desaparecem ou são revertidos, ou mesmo agravam-se (se é que este é o termo certo), dando lugar à uma necessidade absoluta de se estar ao lado da pessoa que o contaminou – e a qual você também contaminou, para o agravamento completo.
          O Sol nasce e me recuso a olhar mais uma vez para a cidade, com medo de sofrer permanentemente de outra doença: a saudade, que pode também vir na forma de nostalgia. Coloco a última das malas no carro e fecho o compartimento. Subo ao apartamento mais uma vez só para chamar quem ainda está por lá, enquanto redijo esse texto mentalmente e imagino se ela algum dia o lerá. A visão acidental do sol sobre as casas e o prédio solitário ao longe derruba qualquer resistência minha e eu vou até o parapeito, dando uma última olhada para o local onde nasci, enquanto reviso mentalmente estratégias que sei que são e já se provaram inúteis para destronar a vontade monárquica de estar próximo à transmissora. Respiro pela última vez o ar da minha cidade e pulo pela janela do apartamento.
          Não, brincadeira, eu desço as escadas e entro no carro, em direção à outra cidade querida. A saudade, não só da cidade quanto da garota, vai me torturar por algum tempo, eu sei. Mas eu acho que resisto; se bem que isso só o tempo dirá.     
             

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Desculpem pela demora

Estou viajando por esses tempos, por isso a demora para atualizar o blog com um conto novo. Perdão! Logo estarei postando algo novo.

Abraços,

Victor

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Recomeçar


          Às vezes um reinício é tudo de que precisamos. Um reinício para abrir nossos olhos e nos fazer ver aquilo que normalmente é invisível aos olhos comuns. Para que possamos enxergar com clareza tudo que fizemos de errado e simplesmente consertar, construindo assim, dali em diante, uma rotina melhor, uma vida melhor. 
          Recomeçar é uma ação que pode ser feita diversas vezes, indo desde uma intenção fútil ou inteiramente falsa ou desmotivada até um verdadeiro novo começo, uma mudança geral para melhor na vida de uma pessoa. Mas, na maioria das vezes, os verdadeiros recomeços nunca são intencionais ou planejados. Eles surgem vindos do desconhecido, fruto de uma ação externa que nos força a perceber o quanto sempre estivemos errados. Às vezes de um conselho, ou uma decepção pessoal, ou até mesmo de um acidente, ou qualquer evento, desafortunado ou não.
          Quando você perceber que sua vida está completamente errada, que as coisas não estão no lugar certo, não force um recomeço: eles vêm com o tempo. Se nada aconteceu, é porque simplesmente não é a hora. Muitas vezes nem mesmo precisamos de um recomeço: nossa vida é perfeita como ela é e simplesmente não conseguimos enxergar isso. As mudanças vêm com o tempo, e nem todas elas são um recomeço. Algumas mudanças vêm em forma de acontecimentos, outras em formas de pensamentos, e outras em formas de pessoas. Essas últimas costumam ser mais efetivas, e são essas que muitas vezes nos levam a recomeços. Nunca se esqueça que um bom recomeço, na hora certa, é o melhor presente que você pode dar alguém, mas saiba que não é você que o transmite: assim como quando você começa uma nova vida devido a alguém, não é a intenção dessa pessoa que vale, e sim o que você faz com essa intenção.

          Um feliz ano novo a todos, e que recomecemos todos!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Um apelo

          Isso não é um conto. Na verdade é um pedido... por favor, se gostarem das histórias, comentem ou cliquem em um dos marcadores!!!! Senão não tem como saber se estão gostando...

Abraços,

          Victor

Carpe Diem

          Muitas vezes queremos que os momentos passem para que dêem lugar a outros, os quais aguardamos ansiosamente por terem algo que outros momentos não tem. Achamos que a dose de felicidade encontrada nesses momentos deve ser consumida o quanto antes, e em nossa pressa desesperada, adiantamos momentos que consideramos dispensáveis, perdendo parte de nossas vidas no processo.
          Por mais que pensemos que um momento tem certo teor especial que não pode ser encontrado em nenhum outro, cada momento é único. E mesmo não sendo tão bom quanto um que virá, é tempo de vida, vida esta a qual tanto prezamos, ou pelo menos deveríamos. Cada segundo de vida que você quer deliberadamente que passe é um segundo de vida que você joga fora.
          Aproveite cada instante, porque cada um deles, independente de seu teor, é único em sua singularidade. Aprenda a ver a beleza de cada momento, extrair alegria de cada segundo e prolongar cada minuto ao máximo. Não tenha pressa, pois as coisas vão acontecendo, e quando você se der conta os sonhos serão realidade: você só precisa querer e sonhar. Ponha em prática seus planos mais mirabolantes, ria de todas as piadas, respire a felicidade e expire satisfação; faça o que te fizer feliz, mas não esqueça que os outros também precisam ser felizes, e que por um sorriso no rosto de uma pessoa é uma das melhores sensações do mundo.
          Não guarde mais segredos do que o necessário, de preferência, não guarde nenhum. Diga o que você sente a quem você preza, e não afaste as verdadeiras amizades: é o pior que você pode fazer. Não se importe demais com o que os outros pensam, senão você viverá à custa dos outros, e vão ser eles a aproveitar sua vida, não você.
          E, acima de tudo, não tenha pressa. As coisas vão acontecendo em seu ritmo, e vivê-las rapidamente não é aproveitar. Deixe que cada momento se prolongue ao máximo, e desfrute da unicidade de cada instante.    
          

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Nostalgia


  Os flocos de neve caíam de maneira suave e lenta. Toda a paisagem do lado de fora da aconchegante casa de madeira aquecida por uma única e persistente lareira era branca, e não se podia enxergar muito longe. O homem idoso que encontrava-se envolto em um pesado cobertor, sentado à uma velha cadeira de balanço, com uma caneca de chocolate quente nas mãos aguardava ansiosamente a visita que receberia dentro de alguns instantes. Apesar de ter vivido sozinho pelos últimos vinte anos naquele apertado chalé numa das regiões mais frias do Canadá, ele ainda recordava os tempos passados de sua vida que eram normalmente imemoriais às pessoas de sua idade. Lembrava-se principalmente dos tempos de escola, quando tinha ao seu lado seus muitos bons amigos, aos quais podia confiar seus mais profundos segredos e junto a quais vivera anos de incontáveis risos e momentos alegres.  
           Hoje, aos cento e dois anos de idade, o velho homem não tinha mais companhia alguma para lhe apoiar quando precisava. Seus amigos todos haviam o deixado, não por que queriam, mas por fins os quais ninguém pode evitar. A solidão havia sido a única companheira do pobre homem desde então, visto que este não tinha mais alguém para compartilhar ideias, para rir junto, ou mesmo simplesmente para se estar ao lado. Toda a amizade que havia aproveitado um dia havia ido embora, desaparecido sem deixar quaisquer resquícios de que um dia existira. E a saudade aproveitava-se da falta de companheiros e de qualquer apoio do velho homem para penetrar sua vida e brincar junto à solidão com seus sentimentos e lembranças.
           Permitiu que as lembranças viessem à tona, e foi mergulhando cada vez mais fundo no extenso oceano que era sua memória. Lembrou-se do dia em que conheceu seu melhor amigo, na escola, quando começaram a brincar juntos como se já se conhecessem há muitos anos. Lembrou-se do primeiro passeio que fez junto aos seus amigos, e como se divertiram, brincaram e riram. Lembrou-se de quando cresceu, quando descobriu, cedo demais, que a vida ia aumentando progressivamente sua complexidade.  Lembrou-se dos colegas que ele havia perdido contato logo cedo, e como essas amizades teriam durado se tivessem mantido contato.
          Lembrou-se de quando passou a conhecer mais pessoas, quando seu número de amigos aumentou. Lembrou-se de uma garota especial, sorridente, e que por muitos anos havia habitado seus sonhos e que por um breve período de tempo fora simplesmente sua realidade. Lembrou-se das despedidas que faziam anualmente, e como o número dos verdadeiros amigos ia diminuindo a cada uma delas. Lembrou-se de quando cresceu, e manter contato com os amigos foi quase impossível, pois tinha que trabalhar muito. Em uma explosão interna de alegria nostálgica que levou um sorriso aos seus lábios, lembrou-se de quando reencontrou os amigos, muitos anos depois. E o sorriso foi desaparecendo à medida que, em sua memória, os amigos iam desaparecendo. Iam seguir caminhos diferentes, realizar sonhos de longa data ou simplesmente deixar esse mundo.
          Ele queria se libertar desta realidade, voltar no tempo, mas então percebeu que a imensidão da complexa realidade que o cercava era maior do que ele, era maior que seus desejos. Ele estava quase adormecendo, perdido em seus devaneios quando a visita chegou. Entrou sem bater a porta, e trouxe um pouco do frio e da neve que estavam lá fora, apagando a lareira. Ele sorriu ao vê-la. ‘Está pronto?’ a visita perguntou, sorrindo igualmente. ‘Mais do que nunca.’ Ele então fechou os olhos por uma última vez, não sem antes uma última lembrança dos amigos que ele estava prestes a encontrar em um lugar melhor.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

6 fatos sobre a amizade

          1. Amizade é algo que se conquista não tão facilmente, e o segredo para a conquista da amizade é individual: apenas a pessoa a ter a amizade conquistada sabe o que é necessário para ganhar sua amizade, mesmo que ela não saiba expressar com palavras o que seria necessário. Poucas pessoas sabem.
          2. Às vezes você mantém uma amizade casual com uma pessoa, algo mais simples, mais próximo a um coleguismo, e às vezes é uma amizade que você valoriza extremamente, mas que não imagina que possa aumentar. Em ambos os casos, você sempre estará sujeito a um repentino aviso de que você foi promovido ao cobiçado (ou não tanto) cargo de melhor amigo. Eu, particularmente, adoro quando alguém chega para mim, do nada, e diz: ‘Sabia que você é meu melhor amigo?’. A simplicidade dessa frase comparada ao que ela contém é capaz de me deixar pasmo.
          3. Às vezes você acha que uma pessoa não é sua amiga porque você não é bom o bastante, mas isso é errado. Aquela pessoa pode simplesmente não ter nada a ver com você e não saber a ótima pessoa que você é, ou você pode também não saber a pessoa horrível que aquela pessoa é. Amizade não acontece de uma hora para outra; é necessário tempo. Nem sempre, é claro, mas na maioria dos casos.
          4. Amigo mesmo é aquele que está lá para te apoiar, não sempre, mas sempre que possível. É aquele que te dá valor; o que te suporta, não importa o que você faça dentro dos limites; é quem um dia te promove a melhor amigo como se fosse a coisa mais simples do mundo. E sobre essa última, até que é: ‘você é especial e pronto: é meu melhor amigo’.
          5. Sobre as melhores amizades: ou são óbvias ou são subjetivas. Às vezes você convive tanto tempo com alguém que ele ser seu melhor amigo é tão obvio que você nem constata mais, seria tão bobo como dizer: ‘Olha, o céu é azul!’. Outras vezes, você nem fala tanto com alguém, mas os poucos momentos que passam juntos são suficientes para torná-los melhores amigos.
           6. É essencial ter amigos, para tudo. Eles são a chave para noventa por cento das portas que você encontrar na vida. As outras eles simplesmente arrombam.       

sábado, 12 de novembro de 2011

Correndo para você

          O vento sussurrava aos meus ouvidos segredos incompreensíveis enquanto eu corria em velocidade, deixando para trás os prédios cinzentos naquela manhã ensolarada tempo em que mais vinham à frente, apenas para, entre um passo e um salto, desaparecerem pela minha visão periférica. As janelas estavam em sua maioria fechadas devido ao horário tão cedo na manhã, mas eu sabia que uma não estava. Uma que abria bem cedo pela manhã, só para me esperar.
          Aumentei o ritmo um pouco, diminuindo o tempo entre os passos e encurtando a distância entre eu e o objetivo, e meus pés seguiram o fluxo sem que eu pensasse. Há certo ponto, havia se tornado automático: os pulos, aterrissagens, passos, tudo fluía de forma muito natural, e meus pés seguiam rapidamente por paredes e pisos.
          Eu chegava cada vez mais perto, e nem precisava mais calcular como fazia antes: era instantâneo. Em um salto, eu passei pela janela do seu apartamento. À meia luz, o espaço compacto pareceu menor do que realmente era. Achei que talvez chegasse dali a pouco, então me sentei no sofá. O relógio antigo que pendulava acima do portal que dava na cozinha me mostrava a passagem do tempo; tempo este que não estava cooperando: você estava cada vez mais demorando de chegar. Esperei pelo que me pareceram horas enquanto você estava sabe-se lá onde. Minha animação começou a desaparecer. Onde será que você estava? Aonde teria ido?
          Continuei esperando por muito tempo, e você não veio. Resolvi procurá-la. Apesar de conhecer a cidade na palma da mão, não fazia idéia de onde você estaria. Procurei primeiro nas padarias, depois nas bancas de jornal, depois simplesmente cansei do metodismo e procurei-a em qualquer lugar que aparecesse, e quando não e achei em canto algum, me entristeci. A chuva começou a cair, e os sons de trovão que anunciaram a sua chegada enfatizaram minha decepção em não te encontrar. De volta aos telhados e ignorando todos os conselhos que havia sempre ouvido sobre não correr na chuva, deixava os movimentos fluírem com a mesma naturalidade de sempre, mas não era fácil quando pensava em você preocupado como eu estava. As pernas iam perdendo a coordenação e meu equilíbrio não havia dado as caras; unindo esses fatores à chuva, era quase um suicídio.
          Por fim a loucura produziu seus frutos adversos. Em um escorregão, despenquei para um prédio vizinho. A queda foi de 6 metros de altura, e caí por cima do braço esquerdo, com um som horrível. Gritei de dor, e minha agonia foi abafada pela chuva. Enquanto eu sofria, onde estaria você? As lágrimas em meu rosto – não de dor, mas sim de tristeza – misturaram-se às gotas de chuva, e meus olhos foram fechando-se lentamente...
         
          Acordei em seu apartamento, envolto em uma toalha confortável. Você estava ao meu lado, segurando minha mão. Perguntei como havia me achado ali. ‘Estava passando pelo local. Ouvi um grito, e algo me disse que era você, então não hesitei’.
Eu sorri ao ouvir a resposta que esperava. Você se inclinou para um beijo que molhou seu rosto por completo, e eu a abracei, na ânsia de matar a saudade que havia me levado a cometer loucuras.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Conquista

(Conselho: leia ouvindo "Lucky", de Jason Mraz e Colbie Caillat)


          Parado diante da longitude a qual estava de ser algo especial para você, pasmei. Faltava muito para que eu pudesse ser considerado realmente alguém... Você costumava falar tão pouco comigo. Uma palavra ou outra, quando era preciso. Eu costumava, ao ir dormir, pensar se algum dia conseguiria um lugar no seu coração, e por mais longe que estivesse, quando eu pensava em você, era como se não existissem distâncias. É claro, estar com você era bem diferente. Eu observava com pesar você dar prioridade a muitos outros, enquanto eu ficava para trás, esperando para falar com você, só para continuar no silêncio quando você ia embora sem nem ao menos se despedir.
          Até que um dia você parou para falar comigo. Seus olhos focavam os meus, e eles eram mais bonitos do que eu pensava. Você parecia se divertir com minhas palavras, enquanto eu me perdia nas suas, por mais simples que fossem. No final você sorriu, e a luz do seu sorriso foi tão bela quanto irreal. Eu comemorei internamente a conquista que havia feito, e para mim, ouvir sua voz falando comigo foi o maior prêmio naquele momento.
          Passamos a conversar com mais frequência, e eu pude conhecer seus detalhes mais íntimos. Seus gostos e desgostos, suas preferências, seus medos e suas bobagens. Você parecia cada vez mais divertida, e os abraços que foram surgindo me viciaram, me prendendo num círculo interminável entre desejo e realidade. Para minha alegria, a realidade, a certo ponto, tornou-se mais frequente do que o desejo.
          A cada dia você parecia melhor e mais próxima. Éramos amigos, e eu não mais sentia uma necessidade desesperada de estar com você, simplesmente porque meu desejo era complementado pelo seu. Você começou a me contar seus segredos, porque já sabia todos os meus. Minhas palavras tornaram-se mais concisas, assim como a sua habilidade de me prender a você foi aumentando.
          Passei a te conhecer de verdade, intimamente. Você não era nada como a pessoa que eu esperava. Não era melhor, nem pior, era simplesmente diferente. Quando conheci a pessoa que você realmente era, descobri que a pessoa pela qual era apaixonado simplesmente não existia. O que eu tinha agora era uma grande amiga, alguém em quem confiar a todos os momentos. Quem um dia me parecera inalcançável, agora era minha companhia de todos os momentos. Você era então minha amiga, e era assim que permaneceria. Pela primeira vez, isso não me deixou nem um pouco chateado.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Para uma pessoa especial

          Quando você estiver longe, será que vai lembrar de mim? Será que os novos amigos não vão suplantar, em sua memória, nossas lembranças felizes? Você sempre me apoiou, e sua amizade sempre foi de grande valor para mim. Eu não quero que você vá embora, porque você é uma das pessoas que mais importam para mim. Eu queria que você continuasse comigo por mais alguns anos, para aprofundar ainda mais a grande amizade que temos. Amizade essa a qual dou enorme valor!
          Queria ter sido seu amigo por mais tempo, queria ter dito sempre tudo o que sua amizade representava para mim. Queria que os abraços fossem mais longos, e que o tempo facilitasse as coisas, para que você não tivesse que ir tão rápido. Não é fácil deixar você ir embora assim, e as coisas seriam bem melhores com você por perto agora, porque os amigos sempre se apóiam como você sempre fez por mim! Você foi a primeira a me declarar como melhor amigo, e isso me deixou muito feliz, e ainda deixa. Também foi você que me incentivou a escrever coisas como as que escrevo aqui, quando disse que eu conseguia tocar o coração das pessoas.
          Não sei como serão as pessoas por onde você estiver, mas sei que as pessoas aqui não serão como você, nunca. Ninguém nunca vai ter um sorriso tão sincero, ninguém nunca vai ser tão único. Você foge a todos os padrões, sendo a pessoa perfeita para todos os momentos. Você mais do que merece essa dedicatória, por tudo que já fez não só por mim, mas por todos os seus amigos, merece porque sempre que você pode ajudar, você ajuda.
          Acima de tudo, eu queria passar mais momentos ao seu lado, mas me conformo sabendo que os amigos são como estrelas: você pode não vê-los, mas eles estão lá.


Dedicado a Bianca Manzini 

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Amor

          Muitas perguntas continuam sem resposta até os dias de hoje, e uma das que mais me intrigam é “O que é o amor?”. Existem diversas respostas para essa pergunta, então, a definição completa de amor seria essa que você vê abaixo.

          O amor é mais que um sentimento, longe de uma definição, fruto da pureza, um sentimento sublime da alma, é o que está ao redor e tudo o que vem do fundo, um sentimento indescritível, o mais concreto dos bens imateriais, a felicidade em outra pessoa, um sorriso que nunca sai da memória, é ouvir uma voz e confundir com música, uma sede insaciável de ter uma pessoa única ao seu lado para sempre, ver beleza onde não há, saber a verdadeira definição de beleza, é aprender a voar sonhando com alguém, pensar em alguém por 65% do seu tempo, apenas por ter que dormir nos outros 35%; é a certeza de que alguém vai chegar, mesmo que tudo prove ao contrário; é não desistir de alguém, não importa o que essa pessoa te faça; é sempre querer alguém bem, é uma pessoa, ou o que quer que te faça lembrar dela; é saber que o mundo pode estar caindo aos pedaços: a primeira coisa que você fará é ir atrás dessa pessoa; é dar mil chances a alguém, é se expressar mesmo não sabendo como, é ir o mais longe possível por alguém, talvez até o fim do mundo, alias, talvez não, por que amor também é certeza, mesmo que em tempos incertos; é olhar para uma porta toda vez que ela se abre, na esperança de ver alguém que nunca passa; é, não importa quais sejam as os obstáculos, perseverar por alguém, é dar tudo que pode ser dado, até o sangue, mesmo sem ter certeza de que terá de volta, e gostar incondicionalmente de alguém, mesmo que essa pessoa não esteja ao seu lado todo o tempo.
         
          Um desses sintomas é suficiente para diagnosticar o amor. Algumas pessoas me causam todos. Obrigado a estas, por existirem; e a todos que me amam, simplesmente por fazê-lo. 

Abraços

          Quantas vezes uma abraço lhe serviu de consolo? Certamente, bem mais vezes do que um beijo. Isso porque o abraço é a forma mais comum de expressar as emoções. Recebemos diversos abraços num ano, de diversas pessoas; abraçamos para consolar, para comemorar, para se despedir ou para matar a saudade. Abraçamos quando gostamos de alguém, e um abraço prova isso. Ninguém abraça por nada, não se abraça desconhecidos. Da próxima vez que alguém lhe abraçar, saiba que essa pessoa gosta ou se importa com você, mesmo que um pouco.
          Mesmo que você seja do tipo que não gosta muito de abraços, abrace de volta quem lhe abraçar; afinal, uma das melhores coisas do mundo é ter de volta o que é dado, principalmente quando se trata de amor e amizade. Abrace seus amigos, seus irmãos, seus primos; abrace seus pais, seus tios, seus avôs. Quer que seja, contanto que você goste, abrace, pois quem abraça diz que gosta. E quando lhe faltarem palavras para expressar o quanto você sente por alguém, não diga nada: simplesmente abrace.

sábado, 5 de novembro de 2011

O tempo e o mar

          O mar estava calmo naquela tarde ensolarada enquanto eu esperava por você. Suas visitas não eram das mais frequentes, mas era ótimo revê-la, como boa amiga que era, então planejava prolongar a visita ao máximo. Ansiava pela sua chegada, e quanto mais ansioso ficava, mais a face brincalhona do tempo se divertia em demorar-se de passar, como se debochasse de mim. Imaginava o que faria quando você chegasse, mas cheguei à conclusão de que seria melhor deixar todo o trabalho para a espontaneidade. Mesmo assim espanei levemente o piano, imaginando que seria usado como da última vez.
          Passei certo tempo tentando lembrar-me de algumas músicas especiais, mas é incrível como a urgência dos fatos nos toma a memória, só para devolver quando não precisamos mais tanto. De qualquer jeito seriam inúteis estas se não as executasse bem, então após certo esforço para relembrar uma ou duas, passei certo tempo praticando-as. Após ter certeza de que não havia mais nada que pudesse melhorar para adequar-me à sua visita, decidi que era hora de enfrentar o tempo brincalhão cara a cara. Ele insistia em espreguiçar-se à minha frente, esbanjando sua preguiça em passar. Bem, se o tempo não queria mover-se naquelas condições adversas, eu o moveria.
          Pus-me a escrever, e lembrei-me de alguns acontecimentos ocorridos para produzir uma nova história, que ficou pronta mais rápido do que eu gostaria. Após arquivá-la junto às demais, fui à praia banhar-me brevemente. O mar, em sua plenitude, ficou feliz de receber-me assim como eu a receberia em pouco tempo, e falou em meu ouvido como a esperava também. Disse a ele que era incerto que você fosse cumprimentá-lo àquelas horas, ainda mais estando me visitando. Ele pôs-se a insistir que eu lhe pedisse, então cedi, com a condição, claro, de que fostes comigo.
          Quando voltei para casa, faltava apenas uma hora para que chegasse. Esperei pacientemente junto a uma caixa de trufas de chocolate, que haviam vencido à batalha situada em minha mente e meu estômago, na qual tinham tido como adversário um belo e cheio cacho de uvas. Passado o tempo, você chegou, e abraçamo-nos, para iniciar um pequeno processo de retomada do tempo perdido, aliás, tempo que não havia sido bem aproveitado. Como havia imaginado, fomos ao piano, porém este nos acompanhou por mais tempo nesta visita.
          Conversamos sobre coisas como música, poesia, palavras e estudos, dentre outras pequenas coisas, mas novamente o tempo havia me desafiado, e compensado o tempo que havia demorado passando rapidamente. Quando vi, já era tarde da noite, e você teve de ir embora. Pelo menos, aquela noite foi bem aproveitada! Quem não gostou nada dela foi o mar, que está agora zangado comigo por eu ter me esquecido de levá-la para vê-lo.

Palavras e Expressões

          Muitas pessoas, às vezes, tentam dizer a alguém algo que simplesmente não quer sair, palavras que se alojam num nó recém-formado na garganta e ali se agarram com toda a força. Foi assim que me vi há algumas horas atrás. Em meio ao calor do momento, enquanto pessoas andavam arrumadas para lá e para cá, e alguns grupos pequenos conversavam sobre o palco, revisando o que fariam dentro de alguns minutos. Você estava parada, com uma sobrancelha erguida e um sorriso brotando no rosto. ‘Sim...?’
          Não importa a força que eu fizesse, as palavras não saíam, e o nó apertava, talvez por que estivessem se segurando fortemente nele.
          Você alterou sua expressão para uma desaprovação brincalhona. ‘Sabe que vai ter que me contar, não é? Já estou sentindo alguma coisa!’
          Eu sorri em resposta. ‘Certo, certo, eu conto assim que terminar’ eu disse, só para ver aquela expressão de expectativa que só você sabe fazer. Desci do palco pelas escadas laterais e me dirigi para as fileiras traseiras, enquanto você ficou por lá mesmo. As luzes se apagaram, e começaram a falar. A apresentação prosseguiu, e não foi nada má. Assim que acabou, fiquei preso em uma multidão que descia para arrumar a próxima apresentação; vi você passando longe, em direção ao saguão. Quando consegui me desvencilhar do aperto inconsciente da multidão, dei passos longos em sua direção. Passei por meus amigos, que cumprimentei rapidamente. Você estava lá.
          ‘Então, vai me contar?’ um sorriso mal-contido.
          ‘Ah, não é nada demais... ’
          ‘Então me conte agora!’
          ‘Tá... ’ Você me puxou para um cantinho vazio. Eu procurei as palavras para começar. Dessa vez, elas teriam que sair!
          ‘Eu gosto muito de você’ resolvi ser direto. ‘Nunca gostei tanto assim de alguém sem amar. ’ Não gostei muito da sua expressão depois disso.
          ‘O que eu sinto por você é... ’ as palavras novamente recusaram-se a sair, e era tão incômodo forçá-las que engasguei; pus-me então a procura de outras. ‘Nunca senti um sentimento tão forte de... Amizade por alguém antes. ’
          O seu sorriso valeu a moratória imposta às palavras e me fez sorrir ainda mais. Cada palavra do que eu dizia era verdade. Nada mais, nada menos.
          ‘Quero ser seu melhor amigo. De verdade. ‘ recebo um olhar de lado, ainda mantendo o sorriso.
          ‘Quem sabe... ’ Você me abraça demoradamente, e diz o quão lindo achou aquilo tudo, como se agradecesse pelo que eu havia dito. Despedimos-nos então, porque eu precisava ir, e você ficou, enquanto eu comemorava internamente a amizade que há pouco tempo eu mantinha; pois não é necessário tempo para unir as pessoas, e sim simpatia e vontade, e isso, ainda bem, você tem muito.
         
          

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Onde se pode ter tudo

          As gotas de água pingavam na poça que já havia se formado, aumentando ainda mais seu tamanho. As pessoas que passavam não notavam a presença diferenciada que quebrava silenciosamente o padrão ao seu redor; o homem encapuzado passava despercebido. Aquele homem que ali passava tinha um objetivo único, e não era subordinado a ninguém senão à sua própria vontade. Seus dons o diferenciavam dos outros, e para aqueles que o conheciam intimamente, ele era especial, embora para os desconhecidos fosse só mais um.
          Com suas habilidades especiais, ele ia alterando o ambiente ao seu redor. Os postes iam se transformando em árvores altas e folhadas à medida que ele passava, e onde o cimento havia há muito dominado, começava então a brotar um verde inusitado ante sua presença. As pessoas iam tornando mais felizes, e começavam a cumprimentar-se ao se cruzarem. Os altos prédios iam pouco a pouco, ganhando de volta os anos que o tempo havia lhes tirado, retomando assim suas cores originais e dando um tom mais vibrante a paisagem.
          O sol brotava no céu, não porque era da preferência do homem encapuzado, mas sim porque era um símbolo de felicidade. Pássaros de todos os tipos agora cruzavam o céu, seu canto reverberando pelas ruas da cidade e dando vida àquele lugar que por anos havia permanecido mórbido, assim como os sentimentos e emoções de seus habitantes. A felicidade ia, pouco a pouco, voltando a ser inquilina daquele lugar esquecido.
          Tudo isso graças ao homem encapuzado e sua vontade. Sua existência era alheia à dos cidadãos, como se vivesse em outro plano. Pessoas, coisas e até o próprio tempo moldavam-se à sua vontade. Quando ele decidiu que estava bom, foi adentrando o universo que tinha acabado de criar: não pôs nele filhos ou criação; queria que aquele fosse seu novo mundo por alguns instantes, onde pudesse viver como sempre sonhou. Então, uma pessoa aproximou-se dele, uma mulher, e lhe tirou o capuz. ‘Lá fora me ignoras’ o homem disse a ela, ‘Mas aqui me amas. ’ Ela sorriu em concordância, e a história de ambos se desenrolou, enquanto, em outro lugar não muito distante, talvez um pouco acima, o escritor pousou a caneta na mesa e parou para ler o texto que havia acabado de escrever, onde o mundo era como queria e todos os seus sonhos poderiam se realizar quando quisesse.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O objetivo

          Chovia do lado de fora do carro. A mata atlântica atrás do cercado precário de madeira passava rapidamente, e o borrão verde-escuro que deixava para trás era o reflexo da minha melancolia. Enquanto dirigia para qualquer lugar, percebi que não era tão difícil quanto parecia. Talvez houvesse arrependimento, mas não se o pagamento fosse suficiente. Diversas vezes já havia me perguntado se o que estava prestes a fazer era realmente o correto, e em todas essas vezes me lembrei que talvez fosse não apenas o correto: era o necessário.
          Não tinha certeza se teria sucesso, afinal, sempre havia resistência; mas eu estava armado, preparado. Teria de ceder. As luzes da cidade que se aproximavam me diziam implicitamente que eu estava cada vez mais perto do meu objetivo. Um objetivo que seria cumprido naquela noite, sem atrasos como haviam ocorrido antes diversas vezes. As falhas anteriores não se repetiriam, e o serviço seria feito. Os prédios pelos quais eu agora passava lançavam sua enorme sombra sobre mim, as quais eu deveria me acostumar: as luzes permaneceriam apagadas pelo resto da noite no cômodo onde eu alcançaria meu objetivo.
          Enquanto pensava no alvo, me deixei perguntar por mais uma vez se aquilo valeria a pena, e me lembrei da recompensa final. Um sorriso que não pude conter veio ao meu rosto; mas foi um sorriso passageiro. Eu logo poderia descansar, posto que cumprisse a missão. Parei o carro à entrada do apartamento. Subi as escadas em passos decididos. A porta estava aberta, o que me poupou o esforço. Posso então ver o alvo. Este se vira ao perceber a minha presença, e seus olhos expressam as emoções que se passam dentro de si. Talvez incredulidade, ou tranquilidade. Eu me aproximo. Desfiro as palavras finais.
          Você aceita a situação. Até mesmo sorri. Eu sorrio junto, e nos beijamos, novamente juntos.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Esperança, alegria e felicidade

          O que move as pessoas? Acredito ser a esperança de que, não importa quão bom o dia tenha sido, sempre haverá um dia melhor. Ou que, em meio a um oceano de tristeza, sempre há uma única gota que pode mudar a cor do mar (ou um peixe, quem sabe...). Essa crença é chamada de esperança, e às vezes de fé. É o que nos faz aguentar às incertezas e as falhas que encontramos pelo caminho. E é o que nos faz sentir ainda mais felizes quando a melhora chega, pois nos dá o gosto delicioso de poder dizer, literalmente: “Eu sabia!”.
          Às vezes nos zangamos, ou nos entristecemos, e acredito também que a irritação e a tristeza são provenientes dá inexistência de algo que desejávamos que existisse. É quando queremos, mas não podemos ter. Quando uma criança quer um brinquedo, mas não ganha, ela chora. Quando amamos alguém que simplesmente se recusa a sentir o mesmo, choramos. Quando se precisa de algo que não se tem, aquilo nos irrita. Mas toda essa tristeza e irritação tem uma cura: alegria.
          Para diferenciar alegria de felicidade: alegria é a que nos acomete num breve momento, quando rimos ao lado de amigos, ou quando fazemos o que gostamos. Felicidade é um objetivo maior, é um prêmio concedido a aqueles que têm a chave enigmática de como lidar com a vida e seus problemas sem ceder a fraquezas como raiva e dor. É claro que chorar é natural, e todos choram, mas assim também se conclui que todos têm seu momento de fraqueza. Felicidade normalmente é proveniente de anos de experiência ou de muito poucos, afinal, as pessoas verdadeiramente felizes são normalmente idosos e crianças. Ela também pode ser encontrada como fruto de uma perseverança desmedida, e também como produto final da esperança. Além da alegria, a felicidade é a cura definitiva para as tristezas e toda sorte de situações negativas da vida.
          A alegria é mais fácil de ser encontrada. Se você está cansado do seu dia-a-dia, ou se acha que sua vida não está boa o bastante, lembre-se disso: você tem amigos, mesmo que poucos, e eles são a principal chave da felicidade. Rir ao lado de um amigo é um ótimo remédio, tanto para o espírito quanto para o corpo. Nunca afaste a mão de um amigo quando este lhe estender uma, pois mesmo sem saber, você precisa dela. E se você tiver esperança, a felicidade sempre vai dar um jeito de fazer uma visita. E ela normalmente chega para ficar. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sobre a felicidade

          Nada se escreve quando não se sabe o que se escrever, mas, ao mesmo tempo, a felicidade indiscernível é suficiente para fazer com que o inconsciente felizardo sente-se para colocar suas palavras incertas no papel.
          Ás vezes pensamos que uma pessoa fará eternamente parte de nossas vidas, e por isso escrevemos sobre ela. Porém, quando em fim percebemos que fizemos uma grande besteira e que nada é tão difícil quanto se parecia, até porque nem é tão belo, nos vemos sem palavras.
          Mas as palavras não vieram dessa pessoa; afinal, a escrita nunca foi, e provavelmente nunca será, proveniente de uma insegurança sentimental e nunca serviu apenas para, e essa afirmação é valida também para tempos futuros, dar vazão a sentimentos os quais não podem ser expressos diretamente. Então, não faz sentido parar o fluxo das palavras que tão bem nascem em conjunto à emoção, mesmo que se precise escrever sem uma emoção já presente. Afinal, para que é que se escreve, senão pelo prazer e pela própria emoção de saber que aquilo que se escreve é belo e agrada, mesmo que não a todos?
          Muitas vezes não percebemos o quanto estamos felizes simplesmente porque nos foi induzida, naquele momento, uma tristeza sintética, artificial, que se faz tão presente em sua irrealidade que acaba fazendo com que acreditemos em nossas próprias mentiras.
          Mas na verdade, isso é uma das melhores coisas da felicidade: ela pode ser encontrada nas pequenas coisas, ao contrário da tristeza, que sempre cai sobre nós com exagerado dramatismo e extravagância. A felicidade nunca é irreal: toda felicidade é induzida, ao contrário da tristeza, que muitas vezes se forma dentro de nós. A tristeza, quando induzida, é sinal de que alguém não nos faz bem. Porém a felicidade, quando induzida, e ela sempre é, nos mostra que alguém, em algum lugar, nos deseja simplesmente o melhor.
          E é para isso que servem amigos e família: para nos alegrar, e induzir essa felicidade tão boa que serve como o melhor antídoto para a mais venenosa das tristezas. E acredite: você nunca estará sozinho. Com certeza, por mais ínfima que seja sua quantidade de familiares ou amigos, mesmo que seja apenas um, saiba que você pode contar com essa pessoa. E apesar de tudo, sempre acredite em algo bom, não importa o que seja. Acredite nas emoções, acredite que somos capazes de amar; acredite que um dia você será feliz, mas de preferência amanhã; acredite no que quiser: acreditar faz bem. Eu acredito.    

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Vicky

          Abro os olhos e penso nela. A felicidade que me acomete só de saber que irei vê-la dentro de meia hora é suficiente para me tirar da cama. Tudo escorrega para seu lugar numa manhã lenta como todas as outras, enquanto a ânsia de meu coração de retomar o ciclo semanal que incluí vê-la todas as manhãs, pensar nela todas as tardes, tê-la em meus sonhos todas as noites e ligar para ela aos finais de semana tenta acelerar o ritmo das coisas.
          Vicky sempre foi a menina mais bonita da sala nos tempos de escola. É impossível descrevê-la, porém sei que a interpretação de beleza muitas vezes tem um certo teor pessoal que impede que todos vejamos a mesma pessoa da mesma maneira, então sei que assim é melhor, pois a imaginação é ótima no que faz.
          Vicky não sabia do meu amor por ela, e éramos ótimos amigos. Mas a amizade não durou tanto quanto eu desejava. Um dia ela descobriu, e curiosamente, a partir deste dia, ela não falou mais comigo com a mesma frequência de sempre, e os abraços se foram se tornando cada vez mais raros, escassos. Enquanto eu me perdia em lágrimas à noite, imaginando o porquê do cruel afastamento, ela parecia inalterada, à exceção de certos momentos quando olhava para mim por poucos e preciosos segundos, e seu olhar parecia levemente preocupado, mas esses momentos passavam rápido. Uma de poucas amigas mulheres que eu tinha me dizia que era normal, pois se ela havia descoberto, provavelmente iria se afastar, pois achavam estranho ser amiga de alguém que tem paixão por você... 
          Os anos se passaram, e aos poucos ela voltou à falar comigo. No fim do último ano letivo, quando todos nos preparávamos para a faculdade e desenhávamos projeções do que queríamos ser, e como queríamos que fosse a nossa vida; já éramos novamente amigos como havíamos sido antes de ela descobrir. Eu sempre havia sonhado em ser diretor de cinema, mas Vicky ainda parecia não ter certeza sobre o que queria fazer. Queria muito passar os próximos anos com ela, então tentei por todo o ano convencê-la a ser uma atriz, o que agradava a ela tanto como a mim no início, e eu sorria à possibilidade de não ter que abandoná-la ao final do ano, pois se fizesse escola de atuação, seria em minha mesma faculdade, como havíamos combinado.
          Porém algo aconteceu, e Vicky mudou de idéia. Dizia que não tinha capacidade para ser atriz, e que provavelmente esmaeceria em meio a todas as beldades do cinema, às quais, segundo ela e a contragosto meu, ela nem se equiparava. Tentei desesperadamente convencê-la novamente à me acompanhar, mas ela disse que não poderia, e que por mais que quisesse, seria impossível. Certo dia, à noite, no colégio, lhe pedi, às escuras e bem baixinho:
‘Foge comigo?’
Ela escondeu um sorriso que substituía perfeitamente um pedido de desculpas. Eu interpretei como um ponto final.
          No ano da faculdade, fui para Nova York fazer cinema, enquanto Vicky decidiu-se pela Geologia, não soube aonde. Na despedida, um abraço caloroso que jamais esquecerei. Os anos que passei naquela cidade lotada de todo tipo de gente foram dolorosos sem ela ao meu lado; se as ruas de Nova York fossem artérias, a cidade morreria de entupimento. Mas era possível, ao menos no ambiente juvenil da faculdade, encontrar boas pessoas. Fiz muitos amigos, mas não cheguei a conhecer ninguém como Vicky.
          Um ano após terminar a faculdade, recebo um telefonema vindo do Brasil.
‘Marco? Sabe quem está aí em Nova York?’
Meu coração acelera enquanto prevejo a resposta que faz meu coração se preparar para limpar a casa para a visita que esteve fora por tanto tempo.
‘Vicky! Pelo que soube, terminou os estudos e está morando por aí.’
Desesperado, corro à internet para tentar de qualquer jeito descobrir onde ela mora. Consigo em seu perfil de uma rede social, e corro para encontrá-la.
          Porém o destino é sadicamente cruel. No caminho para seu apartamento, cruzo com ela de mãos dadas com o noivo. Ela me cumprimenta. A alegria de revê-la naquele momento é a única coisa que me impede de explodir em lágrimas no mesmo instante, em meio à plena Quinta Avenida. Furioso com tal peça que a vida me prega, decidi passar mais cinco anos juntando dinheiro para viver pelo mundo. Após passado todo o tempo que passei em agonia, me lanço em minha viagem desesperada. Foram dois anos vivendo nômade, sem casa, conhecendo o mundo. Nesse tempo, conheci milhares de outros casais, que viraram amigos íntimos meus. Um desses casais me contou uma história que devolveu aos meus olhos um brilho perdido há tempos. Ela nunca havia dado valor ao amor que ele tinha por ela, até que um dia, ele se declarou a ela com um poema que, segundo ela, foi o mais lindo do mundo. Percebi que eu nunca havia dito tudo a Vicky, nunca havia expressado todo o meu amor em sua forma completa a ela. Tomei então uma decisão difícil, pois enquanto meu coração mandava que eu fosse atrás dela desesperadamente, meu cérebro me dizia que seria ainda mais doloroso perdê-la mais uma vez. Pela primeira vez na vida, ouvi apenas ao coração.
          Resolvi que durante toda a viagem de volta, iria compor a mais bela de todas as declarações para dizer à ela que a amava. Passei meses escrevendo, pensando nas frases mais belas, extrapolando minha criatividade a níveis inéditos. A beleza do que eu escrevia era tanta que eu me apaixonei pelas palavras, e resolvi que quando voltasse, não viveria mais do cinema, e sim, da escrita. Após escrita a declaração de cinco páginas, páginas estas que eram folhas de papel conseguidas em hotéis em que me hospedei no caminho de volta, enquanto meu dinheiro ia alcançando níveis perigosamente baixos, me esforcei para memorizá-la, o que foi a parte mais difícil.
          Por fim, eu estava de volta à Nova York. Levava comigo apenas mais alguns yuans no bolso, que troquei por um punhado de dólares que permitiram acesso à uma Lan House, onde mais uma vez, como havia feito há sete anos atrás, descobri aonde ela morava. Usei parte da mísera quantia que me restava para comprar roupas novas e um barbeador, o que me deixou com centavos no bolso. Andei até seu apartamento, pois não tinha carro nem dinheiro suficiente para nenhum meio de transporte que fosse, e a caminhada me deixou exausto. Por fim, cheguei ao apartamento, onde perguntei ao porteiro o andar em que ela morava. Ele me disse que ela não estava. Exausto, me apoiei nas grades e me preparei para esperar o dia inteiro ali. Não tinha aonde ficar; normalmente ficava em hotéis, mas não tinha dinheiro nenhum, e de meus contatos do tempo da faculdade, não sabia onde morava nenhum atualmente.
          Não sei ao certo quanto tempo passou. Era noite, e o frio estava quase me vencendo. Sentia que iria ceder a qualquer momento, e perguntei a mim mesmo como uma paixão poderia fazer alguém sofrer tanto. Porém, naquele momento, Vicky apareceu. Ainda mais linda. Sua beleza era tanta que ao vê-la meu frio passou, aliás, naquele momento, esqueci até mesmo o que frio era. Eu me levantei, e quando ela pôs os olhos em mim, não houve dúvidas que havia me reconhecido, pois o sorriso em seu rosto foi tamanho, assim como o meu, que ela nem precisou perguntar pela confirmação de meu nome; jogou-se aos meus braços e eu me larguei aos seus, deixando aquele abraço recarregar toda a energia que eu havia perdido em toda a viagem. Pude sentir sua felicidade transbordando e misturando-se com a minha, e juntas, as duas felicidades formaram o elixir mágico que se vê nos mais belos reencontros. Ela perguntou o que eu fazia por ali, e eu me preparei para dizer tudo. Subitamente, minha mente se esvaziou. Em meio a felicidade do reencontro, eu havia esquecido cada palavra que havia quase dado meu sangue para decorar, e por alguns segundos, parei como um tolo ali, em frente a ela.
‘Vim ver você’ eu sorri.
O sorriso dela foi ainda maior.
Naquele momento, eu simplesmente disse tudo o que veio do meu coração. Quando terminei, os olhos dela brilharam junto aos meus, quando percebi que ela não mais ostentava uma aliança no dedo anelar.


Cinco anos depois

Abro os olhos e penso nela. Olho para minha esquerda, a vejo deitada ao meu lado, e sorrio. Nunca estive tão feliz.

domingo, 23 de outubro de 2011

Amizade

          Sentado em uma das montanhas dos Alpes, o viajante determinado sacou de seu bolso um resquício de civilização, uma barra sólida envolta em uma embalagem laminada dourada. Ainda conseguia sentir o gosto, apesar do frio que entupia suas narinas por desencadear sua alergia, e o impedia parcialmente de sentir os sabores. Por um breve momento, o viajante lembrou-se de alguns meses atrás, quando conversava com sua mais fiel companhia. Seus cabelos loiros lhes recaiam aos ombros quando ela o encontrou no restaurante, naquele dia.
‘Você realmente não pode ir?’ ele a perguntou tristemente, mais uma vez.
‘Sabe que não. Tenho trabalho por aqui... Além do mais, uma viagem à Itália seria muito cara nesse momento.’
‘Já disse que posso pagar por você!’
‘E eu já disse que não vou deixar você fazer isso. É caro demais.’
‘Amizade não tem preço.’
Ela sorriu. Os dois eram amigos há muito tempo.
‘Por mais que eu queira compartilhar essa felicidade com você, não posso ir. Por favor, entenda!’
O homem baixou a cabeça. Entendeu por fim que seria impossível convencê-la, e pouco tempo depois, ambos deixaram o restaurante, o viajante despedindo-se penosamente de sua melhor amiga.  
          Agora, no topo de uma montanha das mais altas, congelando no frio das mais altas atitudes dos Alpes do Piemont, o viajante questionava em silêncio a amizade, mesmo que uma parte de si culpasse a si mesmo por isso. Ele imaginava se ela estaria feliz, no conforto de sua casa, longe dele e de suas extravagantes viagens, talvez quentinha em seu sofá, aproveitando uma televisão... O exato oposto dos desejos do viajante. Ele ansiava por aventura e conhecimento, e um lugar novo era como um tesouro conquistado para ele. Ele sempre imaginava que ela também era assim, mas parecia que naquele momento de necessidade emocional, sua amiga havia falhado para com ele.  Ansiava por voltar e vê-la, pois sentia sua falta, mas imaginava se o sentimento seria recíproco. A neve caía em torno dele, enfatizando sua solidão e tristeza ao mesmo tempo em que dava beleza à cena e à paisagem. Pensar nela assim provocava uma nostalgia recente, ele resolveu voltar o mais rápido possível para reatar a amizade e cessar aquela dúvida em seu coração.
          Durante a volta, no avião, ele imaginou todos esperando por ele no aeroporto, prontos para ouvir suas histórias e desejosos de compartilhar de seu recém-adquirido conhecimento. Dormiu por alguns instantes. Sonhou com sua amiga e, quando acordou, desceu do avião, dirigindo-se ao desembarque, pronto para ser recebido por mãos calorosas. Estaria sua amiga entre as mãos acolhedoras que lhe esperavam? Quando desceu e caminhou com um meio sorriso no rosto, viu diversos rostos e pessoas que sorriam em sua direção. Em sua direção, mas não para ele. Os outros passageiros passaram por ele, e as pessoas à espera não esperavam por ele, mas pelos outros; e lentamente, todas as pessoas foram desaparecendo. Por fim, apenas uma permaneceu para ali, com sua presença significativa, as mãos juntas à frente do corpo, segurando uma bolsa, e o sorriso ostentado no rosto, o mais puro e verdadeiro o possível. Era a amiga. Quando ele se dirigiu a ela, abraçou-a nostalgicamente, e condenou-se por ter duvidado dela, ela lhe disse:  ‘Eu quis ir, mas não pude. Os verdadeiros amigos nem sempre podem estar ao seu lado, mas vão se esforçar para fazê-lo sempre que possível. ‘
          Ambos caminharam para longe do aeroporto, firmando em suas vidas mais um capítulo da infinita amizade que há tanto tempo fora selada.

sábado, 22 de outubro de 2011

Dilema sob a chuva

          A chuva caía, e as gotas deslizando pela janela eram as lágrimas da minha tristeza inexpressível. Meu rosto permanecia imutável enquanto eu pensava em você, e eu me lembrava de todos os dias felizes que havíamos passado juntos. Era doloroso lembrar que todas as minhas ações me levaram a deitar na cama sozinho para pensar em você naquele dia, mas era ainda mais doloroso saber que só o fato de te conhecer levaria a isso, porque de um jeito ou outro, você descobriria que eu te amo e se afastaria, não importa quantas realidades possíveis existam. Eu sabia que cada palavra que eu a dizia era irritante, e cada sentimento meu frustrava todas as suas incompreensíveis expectativas. Incompreensíveis por que nunca consegui entender bem porque você se afastou de mim; afinal, podíamos ter sido amigos como éramos antes.
          Mas você nunca conseguiu entender como eu te vejo. Não preciso que você me ame para ser feliz; preciso apenas ter você ao meu lado. Lembra-se do tempo quando nos abraçávamos e você sorria, pois sabia que era apenas pelo puro prazer da amizade? Quando assistíamos a filmes lá nas últimas fileiras, e eu te emprestava meu casaco, para te aquecer e para poder ter seu cheiro nele quando me devolvesse...
          Hoje, qualquer lembrança sua me faz refletir sobre meu amor por você, e sigo conselhos em vão tentando te esquecer, o que sei que isso é impossível, por que o lugar que você ganhou em meu coração pode estar hoje destruindo todo ele, mas na memória você gravou sua presença a ferro quente, e até hoje me pergunto, com que direito você entrou na minha vida sem pedir licença e depois saiu, como se nada nunca tivesse acontecido?
          Tento em vão culpar alguém pelo o que aconteceu, mas a paixão é fruto do desconhecido. A cada segundo que passava no relógio que tiquetaqueava ao meu lado, percebia que estava perdendo tempo, e que, no exato segundo daquele pensamento, deveria estar correndo atrás de você para lhe dizer tudo isso, mas então lembro que você está longe. O amor que sinto por você age como inércia e me dá forças para mais alguns passos, me lembrando de que não existem fronteiras para os verdadeiros amores. Se eu te queria, que fosse atrás de você!
          Mas me lembro que sua visão de mim é agonizante, pois você agora não gosta mais de mim, e quer apenas distância, e então me percebo preso no dilema final. Que felicidade vale mais: a minha, por te ver, ou a sua; por estar longe de mim? 

Sobre a Saudade

          Me sentia impotente ao vê-la caminhar para longe de mim, e tinha certeza de que a menor parte de toda aquela confusão de sentimentos em meu coração ainda era maior que qualquer coisa que ela sentia por mim, senão ódio e desprazer. Eu pensei em chamá-la de volta, pedir desculpas mais uma vez, mas sabia que vê-la por uma segunda última vez poderia ser ainda mais doloroso do que na primeira. Enquanto todas as árvores cobertas pelas folhas amarelas do inverno a levavam para algum lugar onde ela se sentisse bem, parei por um segundo para pensar em meu próprio bem estar, e percebi que amá-la estava me machucando muito mais do que deveria para que eu considerasse aquilo bom. A cada passo que eu me aproximava ela sempre havia se distanciado mais dois, e cada palavra dita era repelida com um silêncio mortal.
          A visão dela doeu-me; não aos olhos, pois sua beleza era tanta que fazia até ver melhor, mas sim no coração, pois sua repulsa era como veneno em meu sangue. Naquele momento eu soube que, a partir daquele dia, o nome dela iria me trazer más lembranças eternamente, pois apesar dos poucos, porém perfeitos momentos que passamos juntos e felizes, aquilo me trazia uma nostalgia cancerígena, que ia consumindo minha mente e meu coração a cada palavra dela que ressoava em minha mente, em minha memória que falhava para quase tudo, menos para ela.
          E por fim ela desapareceu. A distância encobriu sua beleza, e não pude mais vê-la, porém ainda podia senti-la em meu coração. Fui embora daquele lugar, agora mórbido para mim, assim como eu pretendia tornar qualquer sentimento por ela. Após meses ela ainda não havia saído da minha mente, que dirá de meu coração. Em meus devaneios, quando a encontro por um breve momento, serpentando pelas minhas lembranças e atiçando o fogo da saudade em mim, eu a pergunto, somente: ‘Como faço para te esquecer?’