quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Nostalgia


  Os flocos de neve caíam de maneira suave e lenta. Toda a paisagem do lado de fora da aconchegante casa de madeira aquecida por uma única e persistente lareira era branca, e não se podia enxergar muito longe. O homem idoso que encontrava-se envolto em um pesado cobertor, sentado à uma velha cadeira de balanço, com uma caneca de chocolate quente nas mãos aguardava ansiosamente a visita que receberia dentro de alguns instantes. Apesar de ter vivido sozinho pelos últimos vinte anos naquele apertado chalé numa das regiões mais frias do Canadá, ele ainda recordava os tempos passados de sua vida que eram normalmente imemoriais às pessoas de sua idade. Lembrava-se principalmente dos tempos de escola, quando tinha ao seu lado seus muitos bons amigos, aos quais podia confiar seus mais profundos segredos e junto a quais vivera anos de incontáveis risos e momentos alegres.  
           Hoje, aos cento e dois anos de idade, o velho homem não tinha mais companhia alguma para lhe apoiar quando precisava. Seus amigos todos haviam o deixado, não por que queriam, mas por fins os quais ninguém pode evitar. A solidão havia sido a única companheira do pobre homem desde então, visto que este não tinha mais alguém para compartilhar ideias, para rir junto, ou mesmo simplesmente para se estar ao lado. Toda a amizade que havia aproveitado um dia havia ido embora, desaparecido sem deixar quaisquer resquícios de que um dia existira. E a saudade aproveitava-se da falta de companheiros e de qualquer apoio do velho homem para penetrar sua vida e brincar junto à solidão com seus sentimentos e lembranças.
           Permitiu que as lembranças viessem à tona, e foi mergulhando cada vez mais fundo no extenso oceano que era sua memória. Lembrou-se do dia em que conheceu seu melhor amigo, na escola, quando começaram a brincar juntos como se já se conhecessem há muitos anos. Lembrou-se do primeiro passeio que fez junto aos seus amigos, e como se divertiram, brincaram e riram. Lembrou-se de quando cresceu, quando descobriu, cedo demais, que a vida ia aumentando progressivamente sua complexidade.  Lembrou-se dos colegas que ele havia perdido contato logo cedo, e como essas amizades teriam durado se tivessem mantido contato.
          Lembrou-se de quando passou a conhecer mais pessoas, quando seu número de amigos aumentou. Lembrou-se de uma garota especial, sorridente, e que por muitos anos havia habitado seus sonhos e que por um breve período de tempo fora simplesmente sua realidade. Lembrou-se das despedidas que faziam anualmente, e como o número dos verdadeiros amigos ia diminuindo a cada uma delas. Lembrou-se de quando cresceu, e manter contato com os amigos foi quase impossível, pois tinha que trabalhar muito. Em uma explosão interna de alegria nostálgica que levou um sorriso aos seus lábios, lembrou-se de quando reencontrou os amigos, muitos anos depois. E o sorriso foi desaparecendo à medida que, em sua memória, os amigos iam desaparecendo. Iam seguir caminhos diferentes, realizar sonhos de longa data ou simplesmente deixar esse mundo.
          Ele queria se libertar desta realidade, voltar no tempo, mas então percebeu que a imensidão da complexa realidade que o cercava era maior do que ele, era maior que seus desejos. Ele estava quase adormecendo, perdido em seus devaneios quando a visita chegou. Entrou sem bater a porta, e trouxe um pouco do frio e da neve que estavam lá fora, apagando a lareira. Ele sorriu ao vê-la. ‘Está pronto?’ a visita perguntou, sorrindo igualmente. ‘Mais do que nunca.’ Ele então fechou os olhos por uma última vez, não sem antes uma última lembrança dos amigos que ele estava prestes a encontrar em um lugar melhor.

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