sábado, 8 de dezembro de 2012

A ampulheta

A TV banhava em luz fraca seu corpo deitado sobre a cama, ela mal assistindo. Na verdade apenas pensava, imóvel ali, em muita coisa. Pensava bastante em porquê sua sorte havia lhe abandonado num beco escuro como aquele. Mas não achava resposta, e sentia-se forçada a caminhar até a parede, até aquelas malditas duas portas, tão diferentes e tão iguais... Inclinava-se para esquerda andando, mas era a
penas o vício das curvas que fizera antes de chegar ali. A porta da direita parecia mais leve. Embora a da esquerda parecesse mais pesada, as vezes até mais distante, tinha uma bela pintura, e a guirlanda que a decorava era tão bela e chamativa que era difícil tirar os olhos dela. Exceto para a olhar para a porta da direita, tão diferente, tão... bizarramente original, que chegava a ter um certo charme. Como escolher? Ela começou a correr em passos trôpegos, ofegante, assutada, quando por fim, caiu. Acordou suando, o olhar de desespero em seu rosto. Levantou, foi até o criado mudo e olhou o presente que havia lhe causado esse pesadelo. Envolta em suas mãos estava, pequena e frágil, uma ampulheta. Ela sabia o que ele quisera dizer com essa mensagem. Sim, ela sabia. "O tempo passa".

domingo, 2 de dezembro de 2012

Ambidestra

Tinha essa garota ambidestra. Direita, esquerda; equilibrava em suas mãos dois mundos, dois rumos. Equilibrava com maestria, mas eles ficavam cada vez mais pesados. Ela sabia que teria que soltar um dos dois a certo ponto, antes que ambos caíssem e se despedaçassem aos seus pés. Desejava arduamente não ter que escolher, mas ficavam cada vez mais pesados. Alguma hora ela vai ter que por algum no chão. E este se quebrará em mil cacos de vidro, saudosos do tempo em que pertenciam à aquelas mãos quentes e confortáveis. Direita, esquerda, o tempo passa.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Temor

O vento sibilando em meus ouvidos, o mar batendo nas rochas ao longe, e eu fingia te procurar. Andava olhando para os lados, atento, como se realmente quisesse te encontrar ali, temeroso com eu estava.
"Você sabe onde ela está. Só não quer encontrá-la."
Eu parei.
"Sim. Eu sei."
Dei meia volta, para me afastar de você. O medo do que poderia vir me fez pensar que eu não sabia onde te encontrar.
Mas eu sabia.

sábado, 29 de setembro de 2012

Fim.

Embora você estivesse bem ao meu lado, nunca esteve tão distante quanto ali. Podia sentir você escapar por entre meus dedos, e eu tentava, com todas as forças, te prender comigo, não deixar, mas você já não podia mais. Pus minhas mãos sobre e você, e pedi que lutasse, pedi que fosse forte, por mim. O pouco de força que você ainda tinha apertou minhas mãos quando uma tosse sacudiu seu corpo violentamente. seu rosto perdendo lentamente a cor. Onde estava o brilho que eu descobri nos seus olhos agora? Onde estaria a voz reconfortante que me faz feliz quando mais preciso? Minhas lágrimas caiam sobre seu coração fraquejante, e eu sussurrava para que ficasse. Mas você estava tão longe que nem gritos lhe alcançariam agora. E então, onde antes eu tinha o seu calor, sinto apenas frio.

sábado, 22 de setembro de 2012

Lembranças ao vento

Hoje eu achei um fio de cabelo seu aqui. Parece bobo, eu sei, mas achei. Estava dentro d'um dos livros que você me emprestou, uma das pontas sobressaindo dentre as páginas. Achei que fosse meu, a princípio, mas quando puxei, o tamanho comprido me disse que não. Além de você, havia sido eu o único a tocar nele nos últimos tempos. Logo, o cabelo era seu. O pus entre meus dedos e brinquei com ele um pouco. Achava que não daria tanta atenção a algo assim a essa altura do campeonato, mas o sol a iluminar aquele fio refletiu na minha mente memórias que há tempos eu vinha sufocando. Testei o fio, puxando suas pontas, e vi que era resistente... Por que não fora então o quer que nos ligava? Deixei por fim o vento carregá-lo, sem remorso. Assim como você, já não era mais meu.

sábado, 15 de setembro de 2012

Presente Fora de Época


                Alguns presentes são dados fora de época... São esses, por vezes, os que mais agradam, surpreendo quem os ganha. Foi assim que eu me senti outro dia, quando me peguei pensando em você e percebi que algo te fazia importante pra mim, justo você, que eu conheci agora há pouco. Talvez sejam seus olhos, ou seu sorriso, ou seu jeito; as risadas que eu dou com você, o jeito como você põe a cabeça no meu ombro, ou o olhar zombeteiro que você me lança às vezes... Alguma coisa nisso tudo te faz especial pra mim. Alguma coisa me faz, toda vez que me distancio de você, olhar para trás e querer voltar, só pra não sentir de novo aquela sensação de que está faltando algo. De que está faltando você.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Palavras Contidas

          Certa vez, um ser de grandes poderes, estudioso da mente e das emoções humanas, encantado com a capacidade de amar do ser humano, encontra um ser vil, cruel, feito apenas de ganância. Os olhos da criatura eram profundos, como um poço onde objetos de desejo caem e se perdem para sempre na sua insana obsessão, até que ele possa tê-los e amá-los, e cuidar deles, para que ninguém mais possa tê-los, ninguém mais, seus objetos.
           O ser sábio então decide realizar um experimento. Conhecendo o desejo da criatura por ouro, forja uma estatueta dourada, feita à imagem e semelhança do ser ganancioso. É feita bela, mesmo que a criatura em si seja horrenda, e encanta seu destinatário, pois além de ganancioso, este é vaidoso, e o desejo de  possuir sua própria imagem em ouro faz com que ele se dobre à qualquer um. Quando a brilhante estatueta cai na escuridão sem funda dos seus olhos pingando de desejo, ela está perdida para sempre.
            O sábio a oferece a criatura, dizendo porém que ela tinha certas condições especiais. Disse que ela iria se esvair com o tempo, e que o único modo dele mantê-la em suas mãos seria pedindo a estátua que ficasse. Porém, essa tinha vontade própria, e se não desejasse ficar no momento que fosse chamada à ficar, iria esvair-se com mais velocidade a cada pedido. O ser ganancioso, sua mente entupida de desejo irracional, aceita sem pensar, e toma em suas mãos o objeto, enquanto o ser mais poderoso finge ir embora e põe-se a observar seu experimento. 
          Nos primeiros momentos, o ser sorri, e se vê realmente feliz, por ter nos braços seu objeto máximo de desejo. Porém, ela começa a se esvair, a desaparecer lentamente. Ele procura não se desesperar, e a pede, com calma, que fique. Então ela vai retornando, os pedacinhos se encaixando novamente para lhe fazer sorrir novamente. E ele passa mais alguns momentos felizes. Após alguns tempo, a estatueta novamente começa a se desfazer, a soltar seus pedaços em poeira que flutua lentamente pelo ar. O ser ganancioso, vendo seu objeto de desejo, seu objeto de paixão, desfazer-se em frente aos seus olhos, olhos que começavam a lacrimejar, pede à estatueta que fique. E um grande bocado dela se esvai no ar. 
            Desesperado, ele chora. Pensa em pedir devagar, mais uma vez, com mais calma. E outro pedaço vai embora. Então ele decide que é melhor ficar calado. É melhor calar, e observar, agonizante, aquilo que você ama ir embora, perder-se, em vez de pedir, de implorar, e ver tudo ir embora de uma vez. Enquanto a poeira dourada se acumula, subindo aos céus, ele chora, chora por ter um mar de palavras dentro de si, e pela vontade insana de pedir que volte, de pedir que fique, de pedir que nada mais mude, para que ele seja feliz novamente. E não diz uma palavra. Não diz para aproveitar os últimos segundos daquilo que ama, sabendo que ela está lá, sob seus olhos, sob seu zelo... até que o último pedaço se vai, desfazendo-se no ar, uma parte da poeira prendendo-se aos seus olhos e fazendo o chorar ainda mais. E vendo o dourado no ar, ele, já tendo perdido aquilo que ama, pode soltar para ela tudo o que tem a dizer. Mas, pelo costume, não diz uma palavra.

domingo, 5 de agosto de 2012

Algo bom

{TEXTO FICTÍCIO}
           

      Quando o amor se distancia no tempo, você começa a pensar mais com o cérebro e menos com o coração. Você se torna mais racional, e percebe seus erros, palavras as quais deveria ter dado atenção, mas não soube dar. Percebo que você foi a calma onde em mim só havia ansiedade. A verdade onde eu só queria ilusão. Você foi a sensatez que diluiu minha paixão – porque sim, paixão é loucura – soltando as amarras que me prendiam à você. Eu estava preso, a sede por liberdade invisível fronte ao fogo da paixão. Naquele dia frio, você quebrou minhas correntes e me deu algo melhor: o caminho da sua casa. Agora eu posso estar com você quando eu quiser, não mais preso indefinidamente naquela jaula de sentimento insano. Agora eu não mais penso em você a cada segundo. Agora eu sou livre, e vou vivendo a liberdade que você me ensinou a viver, e não mais idolatro seu sorriso, seus gestos, seu jeito. Não. Apenas sei o quanto eles podem me fazer sorrir, e, ocasionalmente, eles passam por minha mente. Eu já sei o que eu sinto por você. Não amor, o qual desconheço. Não paixão, a qual não desejo. É algo ainda não nomeado, algo entre o bem querer e o desejo, fruto da amizade e dos caprichos do coração. Algo que eu aprecio sentir, pois já não mais me machuca, e sabe me fazer pensar com o cérebro enquanto uso o coração para suas devidas funções. Algo bom. Algo que quero compartilhar com você. Quando você quiser.  

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Nunca mais

Antes que perguntem o que aconteceu, esse texto é fictício... kkkkkkkkk

Sim, eu me incomodo por você não estar aqui. Me incomodo por ter sido idiota, e só ter percebido agora. Me incomodo também, como se já não bastasse, por não ter feito você tão feliz quanto eu poderia ter feito.
Também me incomoda o fato de que já acabou, e eu não posso voltar no tempo; de que não sei se vou olhar de novo nos seus olhos e ver o mesmo brilho que já vi por estar comigo. Dói saber que eu não posso mudar nada disso.
Me incomoda que, quando eu penso em você, nem sempre isso me faz feliz. Me incomoda parar de ouvir músicas que eu gosto porque elas me lembram de você; e também sentar ao piano para tocar e lembrar de uma música que eu esqueci de tocar pra você, mas agora você nunca mais vai pedir. A verdade dói, mas a mentira mata.
Me incomoda a sensação de lágrimas nos olhos enquanto as palavras vão se formando na minha cabeça, e se misturando, fluidamente, com as imagens, e de repente eu estou ouvindo você dizer que me ama mais uma vez. E lembrando que nunca mais vou ouvir de novo.

domingo, 17 de junho de 2012

Felicidade

     Felicidade é uma metáfora. É uma metáfora pra representar algo ou alguém que te deixa bobo, sorrindo, chorando de alegria. É uma palavra pra descrever aquele sentimento de satisfação, aquela certeza de que agora está tudo bem, que não vão mais aparecer sombras na janela do seu quarto, e de que não tem mais nenhum monstro embaixo da cama.
     Felicidade é um prêmio, é um tesouro escondido na caverna do pirata, com ouro que embriaga no brilho incontido,e vicia, fazendo com que você esteja sempre atrás de mais. Felicidade é mais que um objetivo, é mais que uma conquista: é aquilo a que os homens, na cegueira de sua ingênua existência, buscam, guiados pelo olfato do destino. É um sorriso que diz mil palavras e um olhar que, sozinho, ergue montanhas.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Cobras, amigos, sentimentos, hábitos, humanos.

     Despelar não é legal. Estou me sentindo uma cobra, com esses buracos em forma de bolha estourada na minha pele... Não é legal. Mas pelo menos é minha pele que está saindo – pele é tudo igual; mas e quem está se desfazendo de coisas que importam? E quem se despega de amigos, familiares, hábitos, sentimentos? Enquanto eu reclamo de um excesso de feiúra efêmero, existem pessoas despelando uma vida inteira lá fora. E o pior é que eu sei que vai acontecer comigo – intenso ou suave – mas isso vai acontecer. Acontece com todos.
     Vai chegar um dia em que eu vou ver que estou usando uma pele totalmente nova – e quando olhar para o que deixei pra trás, espero não entristecer, por ver amigos ali, por ver emoções, hábitos, facilidades que nunca duram... depois olhar para as mãos e ver nelas apenas lembranças.
      É preciso fazer isso. Sempre acontece, não há como evitar. Mas eu tenho certeza que tudo vai estar bem quando acabar – quando a pele nova me envolver por completo. Só não quero esquecer daqueles que fizeram parte do que veio antes. Não quero. Quero manter o que puder do que tenho hoje, quero continuar sendo feliz. Talvez inocente, mas quem sabe? Eu espero levar meus melhores amigos pra sempre, e vou dar meu máximo para isso. Porque ninguém despela o corpo todo – não humanos, pelo menos, esqueçamos as cobras – e o que é velho as vezes é melhor do que certas coisas novas. Quem não já se sentiu atraído pelo desconhecido, por pessoas, coisas, sentimentos que se mostraram ser nem tudo o que realmente eram?
     Não quero, então, me desfazer de tudo. Vou dar adeus ao que não vou precisar e levar comigo aqueles que couberem na mala. Nem que todos viajem bem apertados, entupindo meu coração cada vez mais cheio. Estou me sentindo uma cobra. Despelar não é legal. 

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A outra forma de ver

     No início desse ano, recebemos um aluno cego em nossa sala de aula. Era o primeiro integrante da turma com alguma deficiência, e alguns não sabiam lidar com isso. Faziam brincadeiras, deboches e até mesmo atazanavam o pobre coitado - infantilidade, diziam os professores, mas a infância normalmente é sinônimo de inocência; o que eles faziam era perversidade. Mas ele era uma pessoa boa, e nunca perdia a paciência. Pouco tempo antes de eu e ele começarmos um amizade, passou-se um caso interessante.
     Uma garota da nossa sala, Marília, começou a conversar com Nataniel (o garoto) desde que ele chegou na sala. Andavam juntos para todos os cantos, ela o acompanhava onde quer que ele fosse e estavam sempre conversando. Formavam um casal bonito, e era bom ver os dois juntos; Marília nunca tivera muitos com quem conversar, só algumas poucas amigas. Tachavam-na de feia, boba, ridícula... mas não era nada disso. Marília era extremamente divertida e inteligente, e tinha um coração puro, livre de maldades e de qualquer frieza. Se deu bem com Nataniel de imediato.
     Um dia, quando Nataniel já tinha feito alguns amigos, estes, conversando com ele, "alertaram-no":
     - Rapaz, tome cuidado... essa Marília é feia que dói! - e riam.
     Nataniel balaçou a cabeça em desaprovamento, o sorriso de todos os momentos no rosto.
     - Vocês esquecem que eu não tenho olhos... E essa privação me faz ver de outra maneira. Diferente de vocês, enxergo com o coração, como todos deveriam enxergar; isso faz da minha cegueira não uma deficiência, e sim, uma virtude. Vejo as pessoas como elas são, e, se enxergassem como eu, veriam o quão bonita ela realmente é.
     Aquilo me fez pensar. Sim, a maioria de nós vê com os olhos - mas não nos seria melhor, e mais vantojoso, ver com o coração? Talvez assim pudessem ser evitadas tantas futilidades do mundo humano, talvez assim pudessesmos ver todos como realmente são, e dar a cada um o valor que merecem. Talvez assim, não excluíssemos quem apenas por um detalhe é diferente de nós, e aí sim seríamos, pelo conceito que nós mesmos estabelecemos, humanos. Nataniel me ensinou algo que vou levar para a vida inteira naquele dia, e espero que muitos outros ainda possam aprender com ele - pois mesmo sem seus olhos, ele consegue ver muito além de pessoas que dizem enxergar perfeitamente.

terça-feira, 27 de março de 2012

Desigualdade


          É noite, e sinto a barriga cheia do que comi por todo o dia. A brisa fresca adentra minha casa confortável, e escrevo defronte um notebook de ponta, com processador de alta capacidade, desses bem caros. Vivo por enquanto do que foi construído para mim, mas sei que a educação que me é paga hoje me garante, em tempos futuros, prosperidade ainda maior. Eu sou feliz. Sofro das dores menores da jovem alta sociedade - amor não correspondido e outras mágoas; mas estas não impedem de ser feliz, e nem devem.
          Sinto a barriga cheia, mas penso num pedaço de bolo. Antes que alcance-o, logo ali, na minha geladeira, me vem, em minha mente, num relâmpago, a imagem de um pequeno garoto passando fome. Enquanto meu abdômen distende-se numa pança bem-abastecida, a dele está entupida de vermes. Eu olho nos olhos dele, e ele me pede o pedaço de bolo que está logo ali, ao alcance das minhas mãos. E antes que eu possa dizer que é impossível, ele se esvai na obscuridade de meus pensamentos mundanos, e minha barriga ronca falsamente por bolo – bolo este que agora me traz sérias duvidas existenciais. Impressionante, como coisas simples nos fazem perceber a complexidade da realidade – ou melhor, a sua feiura.
          Me afasto do objeto de tentação e vou para meu quarto. Meu irmão está jogando videogame, a lâmpada está acessa, meu pai está usando o computador no outro quarto e a televisão da sala está ligada. Quero muito tocar meu teclado – mas é elétrico, e todos os dias somos bombardeados com lições morais sobre como o consumo de energia acarreta problemas ambientais, e como isso maltrata o planeta e tira o futuro das próximas gerações. E penso, inocente: “Mas eu só quero tocar...” Porém, um lado mais forte e consciente me afasta dos desejos mundanos da vida moderna, mais uma vez. Recebo uma ligação – uma amiga querendo conversar. Já é bem tarde, e a maioria das lâmpadas está desligada, os computadores e a TV também. Converso com minha amiga, e acabamos numa briga. Ela desliga o telefone na minha cara – e automaticamente me entristeço. E, pela terceira vez, penso nas pessoas lá fora, aquelas que estão realmente sofrendo a verdadeira tristeza. E sinto como se tivesse cometido um crime hediondo, apenas por me magoar com alguém.
          Volto à sala novamente, para me bater com o pedaço de bolo mais uma vez. Dessa vez eu abro a geladeira, e olho bem para ele. Penso no garoto passando fome, e penso na desigualdade, no absurdo que a vida é hoje. Ele passa fome, mas e eu? Será que devo me sentir culpado? E por gastar energia? Será que devo me entristecer por degradar o mundo na busca pelo prazer? Não sei.
          Eu como o pedaço de bolo?

domingo, 11 de março de 2012

A Parede (The Wall)

Antes de começar esse conto, queria só explicar que eu o escrevi em inglês, então a versão original (apresentada abaixo desta) está bem melhor, e é recomendada para quem consegue ler em inglês.

          Você está sentado sob um muro enorme, gigantesco. Você não sabe por que você está lá, nem porque o muro está lá, mas você sabe que é onde tem que ficar, pois antes de você só há trevas, e por trás da parede há algo misterioso, que você não pode ver, porque a parede é muito alta. Então, de repente, desenhos começam a aparecer nesta parede. Os desenhos fluem rapidamente entre os tijolos, e eles são bonitos, e você e as outras pessoas que então começam a aparecer ao seu lado estão surpresos em vê-lo. Você percebe as outras pessoas, e você fala com elas. Você começa a caminhar ao lado da parede, lado a lado com as pessoas, e você descobre que eles conhecem outras áreas da parede, com outras pinturas, desenhos e outros tijolos. Eles mostram suas áreas, e você mostra a eles a sua.
          Então, de repente há pedras em seu caminho. No início, elas são pequenas, mas você também é, e você não percebe que as pequenas pedras não são realmente um problema. Você começa a ficar melhor em evitar as rochas, ao passo que elas começam a ficar maiores. Então você precisa de ajuda das outras pessoas próximas a você - aqueles a quem agora você chama de amigos - para passar pelas rochas. Alguns dos obstáculos precisam ser escalados, e alguns deles são muito lisos e altos para você subir, então você precisa contorná-los; mas naqueles em que você só precisa de um ponto de apoio para escalar, você pode sempre contar com seus amigos para ajudá-lo. E, em algum momento no caminho da parede, eles vão usar a sua ajuda também.
          Quando você já andou um pouco após o início, uma de muitas outras pessoas aparece para você e sorrir, e essa pessoa é tão linda quanto os desenhos na parede; na verdade, essa pessoa começa a aparecer em alguns dos desenhos que estão mais perto de você. Você começa a sentir algo especial por essa pessoa, tanto que, às vezes você esquece de olhar para trás e ver o quanto as outras pessoas sentem o mesmo sobre você. Você chama essa pessoa de seu "amor".
          Quando você passa por um quarto do caminho, você vê dois lances de escadas: um sobe, o outro desce. O primeiro é uma escada, alta e estreita, com tantos degraus que você não pode ver o fim, mas parece que há algum tipo de recompensa para cima. Este último parece pequena, com degraus baixos com muito espaço para colocar seu pé - o tipo de escada que você desce facilmente, mas está escuro lá em baixo... Você vê alguns de seus amigos irem por esse caminho, e você pensar em ir lá também, quando alguém coloca uma mão em seu ombro. É o seu amigo mais valioso. Ele diz que esse caminho não é bom, que você deve ir para a escada difícil, porque esse é o caminho certo. E então você vai para cima.
          É um caminho tortuoso, os pequenos e altos degraus que empilham-se uns sobre os outros, e não poucas vezes, você pisa no lugar errado e cai, só para subir de volta o caminho todo acima. É difícil, mas, no final, você está lá. E é lindo. Luz em todo o lugar, tudo é mais claro e é muito espaço. A única coisa que não mudou é a parede: ainda é inimaginavelmente alta. Você começa a andar para a frente mais uma vez, e os amigos que tenho lá antes de cumprimentá-lo. Você olha para baixo por um momento, e você vê a escuridão abaixo, e, das profundezas do submundo que você decidiu não rastejar, você ouve gritos, e sinto muito por aqueles que trilhou o caminho ruim.
          Agora você pode ver as pessoas construindo escadas na parede, tentando alcançar o topo, mas não há degraus suficientes, e eles nunca conseguem descobrir o que está no outro lado. Afora essas pessoas, há outros, que dizem que há beleza e felicidade por trás da parede, e que o outro lado é o nosso destino final, é o lugar para onde todo mundo está andando. Enquanto as pessoas da escada dizer que não existem provas disso, os outros dizem que você só tem que acreditar.
          Então, você encontra uma vez mais o seu "amor". É essa mesma pessoa que você conheceu antes das escadas, e vocês começam a conversar.Você se sente compelido a dizer que você a ama, e você acaba dizendo. E então, seu coração quebra em um milhão de pedaços: ela não te ama de volta. A pessoa vai embora lentamente, e você acha que você nunca vai encontrar alguém para amar de novo, que a solidão será sua única companhia para sempre. Você mantém sua cabeça baixa por um tempo, e então, quando você finalmente olha para a frente de novo, lá está ela: alguém que você nunca tinha notado, mas que estava lá o tempo todo. Ela sorri, e você sorri de volta.Vocês dois estão felizes.
          Um tempo passa, e você finalmente chega ao fim da estrada. Ao longo do caminho, você aprendeu a saltar as rochas sem esforço, a admirar os desenhos na parede, para sempre seguir os caminhos brilhantes (não importa o quão difíceis eles são, porque eles são sempre gratificantes), e deixar ir aqueles que não fazer bem para você. Você aprendeu e ensinou, e seus ensinamentos serão repassados ​​para as gerações. O fim do muro está bem à frente, e você está de mãos dadas com o seu novo amor. Vocês sorriem pela última vez, antes de cruzar o caminho iluminado para os mistérios por trás da parede. Você fez tudo direito. Um passo para a frente, e deixe seu corpo e mente mergulharem na plenitude. E está tudo bem.

(Original)

          You’re sitting by a huge, gigantic wall. You don’t know why you’re there, or why is the wall there, but you know you gotta stay there, since ahead of you there’s only darkness, and behind the wall there’s something misterious, which you can’t see, because the wall is too high. Then, suddenly, drawings start to appear on this wall. The drawings flow swfitly between the bricks, and they’re beautiful, and you and the other people that start apearing next to you are amazed in seeing it. You notice the other people, and you talk to them. You start walking by the wall, side by side with those persons, and you find out that they know other areas of the wall, with other paintings, other drawings and other bricks. They show you their areas, and you show them your’s.
          Then, there are suddenly rocks in your way. At first, they’re small; but so are you, and you don’t realize that the small rocks are not really a problem. You start getting better at avoiding the rocks, as so as they start getting bigger. So you need help from the other people arround you – those whom you now call friends – to get past through the rocks. Some of the obstacles need to be climbed, and some of them are too slick and tall for you to climb, so you need to go arround them; but those in which you just need a foothold to clamber, you’ll can always count on your friends to help you. And, at some point at the wallway, they’ll use your help too.
          When you have already walked a bit past the beginning, one from the many other people appears to you and smile, and this person is as beautiful as the drawings at the wall; in fact, this person starts to appears in some of the drawings that are closer to you. You start to feel something special for this individual, so much that, sometimes you forget to look back and see how much other people feel the same about you. You call this person your “love”.
          When you get past through a quarter of the way, you see two flight of stairs: one is going up, the other is going down. The former is a high, steep stairway, with so many steps that you can’t see the top of it, but it feels like there’s some kind of reward upwards. The latter looks like small, with short steps with plenty of space to place you foot – the kind of stair you easily walks down; but, it’s dark down there... You see some of your friends walking this way, and you think about going there too, when someone put a hand in your shoulder. It’s your most valuable friend. He tells you that this way isn’t good, that you should go for the hard ladder, because that’s the right way. And then you go up.
          It is a tortuous path, the small steps piling over each other, and not a few times, you step in the wrong place and fall down, only to climb back the hole way up. Is hard, but, in the end, you’re there. And it’s gorgeous. Light all over the place, everything is clearer and it’s plenty of space. The only thing that haven’t changed is the wall: it is still unimaginably high. You start to walk ahead once more, and the friends that got there before greet you. You look down for a moment, and you see darkness below, and, from the depths of the underworld you decided not to crawl in, you hear screams, and feel sorry for those who walked the bad path.
          Now you can see people building ladders at the wall, trying to reach is top, but there are not enough rungs, so they can never know what’s in the otherside. Aside from these people, there are others, who say that there’s beauty and felicity behind the wall, and that the otherside is our final destiny; it’s the place for where everyone is walking. While the ladder people say there are no proofs of that, the others say you just have to believe.
          Then, you met once more your “love”. Is that same person you’ve met before the stairs, and you both start talking. You feel compelled to say that  you love the person, and you end up saying so. And then, you heart break at a million pieces: she doesn’t loves you back. The person goes away slowly, and you think that you’ll never find someone to love again, that loneliness will be your only company forever. You keep your head low for a time, and then, when you finally look ahead again, there it is: someone you’ve never noticed, but that was there all the time. She smiles, and you smile back. You’re both happy.
          A long time passes, and you finally get at the end of the path. Along the way, you’ve learned how to jump the rocks effortlessly, to admire the drawings at the wall, to always follow the bright paths (no matter how hard they are, because they’re always rewarding), and to let go those who doesn’t do good for you. You have learned and teached, and your teachings will be passed on for generations. The end of the wall is right in front, and you’re hands given with your new love. You both smile for the last time, before crossing the illuminated path to the mysteries behind the wall. You did everything allright. You move foward, and let your whole body and mind dive in completeness. And everything is fine.
                

quarta-feira, 7 de março de 2012

Dente-de-leão e Estrela Cadente

           Estava com os amigos, sentado ao pé de uma parede no térreo de um apartamento. Ao longe, o brilho do Sol reluzia, em seu dourado imponente, contra um prédio baixo, recoberto de ladrilhos. Já há um tempo desligado da conversa, o garoto admira a beleza da luz cálida e acolhedora do fim da tarde, e o céu rosado com suas nuvens. A conversa chega a seus ouvidos, mas seus pensamentos e idéias falam mais alto, e as palavras são facilmente ignoradas, fora quando, vez ou outra, um assunto lhe interessava; ele entrava então esporadicamente, para comentar e deixar suas tímidas palavras surtirem algum efeito em meio à discussão, somente para então voltar aos seus próprios devaneios.
          O garoto, com seus pensamentos, ia longe, em fluxos e jorradas repentinas de lembranças que iam e vinham, sempre por alguns segundos, uma cedendo lugar à outra em uma sucessão de sentimentos que aquelas imagens e emoções relembradas lhe traziam. Aquelas férias foram especiais. Lembrava-se de como queria que fossem as melhores, e de como a incerteza lhe deixava temeroso. Mas suas preocupações adolescentes esvaiam-se rapidamente, e com sua mágica e tão fantasiada liberdade de dois meses se aproximando lentamente, ele procurava maneiras de garantir sua satisfação nessa empreitada pelo prazer.
          Queria porque queria beijar a boca pequena de Maria. Já era hora, ele dizia a si mesmo, de libertar-se de suas correntes que prendiam-no à um patamar inferior à seus colegas; era hora, dizia a si mesmo, de crescer. Devaneara por muito em mil maneiras de tocar aqueles lábios suntuosos com os seus; pois o que tinha de ingenuidade, tinha de imaginação, e em seus sonhos podia sentir o toque perfeito da boca magnífica que era a da garota com que sonhava. Maria vinha visitar, vinda de bem longe – seus pais eram antigos colegas de trabalho; suas mães não se davam bem (pequenos pormenores), e ele havia estado muito ansioso por aquela visita especial. Não via sua amiga há muito, desde que eram pequenos. Mas sonhava, e como sonhava!
          Perdido em seus pensamentos, não percebeu quando virou o assunto da conversa de seus colegas do lado de fora. Riam, mas risos de brincadeira, não de deboche. Não o humilhante e pérfido deboche, mas uma brincadeira. “Ela te beijou, não foi?”; e riam.
Mas ele só fez rir junto, para depois voltar aos seus sonhos. Falasse com os amigos depois, ali mesmo não estavam exigindo muito sua presença.
          Querendo por estar querendo, ele começou então, de repente, a contestar os próprios planos. E se não acontecesse? O medo que lhe acometeu foi tamanho, que resolveu tomar suas próprias garantias. Esperou na frente de sua casa, numa tarde qualquer, que viesse o costumeiro dente-de-leão que todo dia aparecia por lá. Catou-o no ar, fez seu pedido e o soprou, pondo toda a sua fé naquele sopro que levou a semente para longe, para o alto. Já pedira à estrela cadente antes, mas nunca a dente de leão. Naquele segundo, pensou se não estaria errando ao manter aquelas idéias infantis na cabeça, mas lembrou dizerem que certas virtudes não se abandonam, achou bonito, e manteve sua fé.
          Então veio Maria. Bonita como nunca e ninguém, com seu corpo bem formado, seu rosto singelo e sua boca pequena, adentrou a porta da casa com um olhar meio perdido, como quem procura uma referência. Seus olhos percorreram o lugar lentamente, e por fim se puseram no rosto do garoto, num sorriso que lhe brilhou os olhos e iluminou o coração, agora ansioso e palpitante. Abraçaram-se, e pais e mães ficaram para trás quando foram lado a lado por entre a casa. Deixaram a mochila de Maria no quarto e partiram para o quintal, para as flores e para os pássaros, que não foram pouco calorosos em sua recepção colorida do casal que adentrava seu meio.
          A conversa do lado de fora ganhou mais risadas, e de súbito, gargalhadas. Arrancado de seus devaneios, o garoto olhou confuso para seus amigos, mas a gargalhada não parecia ter motivo dos mais engraçados. Até lhe recontaram a piada, antes que ele voltasse para seu interior, e ele fingiu que riu, e fingiu bem, para depois voltar... onde estava mesmo? Ah, no banco. O banquinho de madeira branca que tinha no jardim. Maria falava, e tinha tanto para falar! Conversava como ninguém, e sua fala mansa, sua voz tão meiga embriagava os sentidos, entorpecendo o garoto, que ainda assim não perdia o foco em nada do que ela lhe dizia. Falava-lhe de gostos, idéias, lembranças, lugares. Falava-lhe muitas coisas, e o garoto, que antes temera não saber o que dizer, via-se imerso em tanto assunto, que difícil era não falar nada. Comentava, respondia, concordava, e a conversa andando. Maria, seu sonho, tão bela, tão bonita; ali, em sua frente... será que ela pensava o mesmo?
          A conversa rumou para a música, e voltaram à casa para sentar-se ao piano da sala de estar, e o garoto tocou as mais belas canções, e Maria sorriu o mais belo dos sorrisos, e os dois amaram-se, um ingênuo amor dos mais belos, onde a simples sintonia torna desnecessárias palavras e gestos. As notas tocadas com paixão ressoavam por toda a sala, e o todos os sentimentos, traduzidos em som, adentraram o coração de Maria pelos seus ouvidos, e Maria, sentada ali ao lado, apaixonou-se.
          Pronto! Francisco (o garoto) era agora puro êxtase, sentia os corações palpitarem juntos e os sentimentos transporem quaisquer barreiras físicas que lhes eram impostas. Seus desejos haviam sido realizados. Tocado o último acorde dá última música, ele se virou, e ela estava a um palmo de seu rosto, com sua boca pequena entreaberta e seus olhos fechando-se, o calor da respiração dela em seu rosto...
          - E você, Chico? – seus amigos tiram-no novamente de suas lembranças. – Acredita em fita do Bonfim pra realizar desejo?
          Depois de pensar por alguns segundos, respondeu:
          - Nunca tentei...
          - Mas acredita em alguma outra coisa?
          Com um sorriso, disse: - Sim. Dente-de-leão e estrela cadente.
          Os amigos riram. Não era o pérfido deboche, eram só risadas com as quais já se acostumara. Refletiu que que não era o ato de soprar o dente-de-leão, ou secretar seu pedido à estrela cadente; mas sim acreditar naquilo que tornava os desejos realidade. Seus olhos perderam-se novamente no horizonte. Ao longe, o Sol brilhando em seu dourado imponente.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Volta.

          Ao longo de toda a sua vida, provavelmente você vai ter amigos que vão e amigos que vem. Alguns que permaneceram nela por tanto tempo podem ir-se de repente, e alguns que estão há pouquíssimo podem, de repente, se distanciar, e não há como ter controle sobre isso. Alguns amigos novos vão vir, mas você nunca deve esquecer os velhos, e as lembranças felizes não devem ser suplantadas. Assim como as amizades não se explicam, não se sabe quando elas acabam; e nem sempre pode-se dizer o porquê exato. As vezes as pessoas se distanciam, e simplesmente... acaba. Não por falta de cuidado, ou de vontade. Simplesmente porque acaba. Eu não tenho explicação para nenhuma das amizades que perdi há pouco, e uma dessas eu julgava nunca deixar ir embora; mas nos distanciamos, e o assunto foi acabando, e as conversas diminuindo...
          Então, não, eu não queria me distanciar de você. Eu queria passar toda a minha vida ao seu lado, sendo seu amigo mais fiel, mas leal, e que passeássemos juntos, e nos divertíssemos e ríssemos simplesmente pelo prazer de existirmos em convivência... Que compartilhássemos um com o outro nossas paixões secretas, e todos os outros segredos, e que quando estivéssemos juntos as pessoas parassem para admirar uma amizade tão bela... mas não foi assim. Você foi embora, sei que não porque quis, e depois disso eu não soube mais o que fazer. Não soube mais o que falar.
          Mas eu não quero te perder – não mesmo. Eu quero ser seu amigo. Mas não depende só de mim... Eu VOU falar mais com você, e eu VOU tentar ser o mais legal possível, mas se você também quer ser minha amiga, ajude! Fale comigo sempre... por favor. Você foi e espero que ainda seja muito especial pra mim. Não quero te perder. Não mesmo.

          Dedicado a Bianca Manzini.  

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Autoestima

          Todo mundo sofre um dia. Não vou comparar o grau dos sofrimentos: se uma dor menor tivesse que ser ignorada em prol de uma maior, viveríamos uma sociedade em depressão. Em suma, todos tem seu dia ruim, seu momento triste, ou um desejo que se esvai perante aos seus olhos – ou que simplesmente dança perante eles por toda sua vida para no final nunca ser realizado – mesmo que sejam tipo diferentes de dor.
          Algumas pessoas sofrem por paixão. Por mais que se diga ao sofredor o quão ele é insensato por chorar por alguém que não merece nem ser compreendido como ser vivo – e que provavelmente cairia melhor como pedra – o indivíduo, imerso em suas dores, só depois de caminhado um tortuoso caminho verá o quão estava errado, para então esquecer seus erros e tomar um caminho mais sadio. Mas não é errado sofrer por paixão: aqueles que não sofrem dificilmente aprenderão a dar valor ao que tem, e com certeza perderão um aprendizado essencial.
          Outras pessoas sofrem por dor. Esse, agradeço, é um sofrimento pelo qual nunca passei, e pelo qual não quero passar. Não acredito que traga nenhum tipo de experiência valorosa, e francamente não entendo o motivo daqueles que passam por isso por vontade própria.
          E por fim existem as pessoas que dizem sofrer por amor. Eu acredito, como já disse um grande sábio, que o amor verdadeiro não nos faz sofrer. Então, se vocês sofreram, se derramaram lágrimas de tristeza por causa de algo que aquela pessoa lhe fez sentir, essa pessoa não vale sua atenção. Não vale o seu olhar, não vale nada que venha de você. E, sim, eu sei que provavelmente você vai ignorar esse conselho – como eu disse, lá em cima, que os apaixonados fazem – mas quanto mais reforçado for, melhor. Talvez ela(e) seja até uma pessoa legal, mas pra você não dá. Pelo menos não pra “amar”. Então força, se você estiver nessa situação. Mesmo que você queira fazer alguém passar por tudo que você passou, pense que o prazer de tirar (se você sente algum) nunca é tão satisfatório quanto o prazer de ter. Então, cabeça pra cima, amigos por perto e siga em frente. Um dia alguém vai te valorizar como você quer, e você também vai valorizar essa pessoa, e mesmo que não seja amor, mesmo que vocês não tenham um futuro juntos, se casem e tenham um família juntos, aquela pessoa, talvez um amante, talvez um amigo, vai ser seu porto seguro, sempre que você precisar. Um dia essa pessoa, que não é ficção, vai parecer, e vai te fazer feliz. E pros sarcásticos, não: não é uma piada. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Para alguém bem perto

Só um pequeno devaneio, antes da 3ª parte de Chamas.

          "Sabe quando alguém vai embora? Quando o espaço que essa pessoa preenchia fica vazio e ninguém tem o tamanho certo pra caber nele? Essas pessoas, que vão-se embora assim de repente e nos deixam na expectativa do retorno, mesmo que este pareça improvável, essas pessoas, elas deixam, junto aquele incomodo buraco - para o qual não aguentamos nem olhar, quanto mais tentar preencher - deixam dúvidas: "Será que você está com tanta saudade quanto eu? Se você voltar, vai ser como era antes?"
          Essas dúvidas corroem a gente por dentro, fazem com que sintamos todo o tipo de agonia indescritível, e na tentativa de afogar os sentimentos em lágrimas, descobrimos em meio à balburdia das emoções, que as melhores lembranças são inesquecíveis. É por isso que não vai ser fácil aguentar todo esse tempo. Eu não sei se daqui até lá as coisas estarão iguais, mas uma coisa é certa: quem você é, eu nunca vou esquecer. E por fim, a grande dúvida que faz meu interior ribombar em agonia: "Você sente minha falta?"

         Para alguém bem perto, e ao mesmo tempo tão longe...

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Um beijo ente escarpas

          Enquanto o vento carregava a areia em uma tortuosa viagem até a varanda com vista para o mar e as escarpas, eu esperava por você. As nuvens no céu rosado não formavam mais as mesmas formas que formavam no início da tarde, quando a cor do céu ainda era azul – para combinar com o mar.
          As luzes da cidade começavam a acender quando eu ouvi as leves batidas na porta da frente. Fui atendê-la com a ansiedade alcançando o ápice e logo depois se dissolvendo em alegria quando seu rosto apareceu, e sorriu do jeito especial que só você sabe sorrir.
          A noite logo chegou, para destacar a luz tremulante que vinha das velas em candelabro prateado, que adornavam a mesa de centro e faziam bruxulear o reflexo da luz em seu cabelo; ela trouxe também a lua, que, gigantesca, pôs-se na varanda para observar nós dois. Conversa posta em tempo, a atenção foi desviada para o piano sempre presente no centro da sala. Seu gesto inconfundível com os dedos teclando perto ao rosto e um sorriso maroto nos levou a sentar em frente ao instrumento, e tocamos até os dedos doerem, rindo aqui e ali de um som disforme que se contorcia no ar, quando eu ou você acidentalmente tocávamos a nota errada.
          Saímos para a rua, e por mais que uma orla de paralelepípedos com casinhas rústicas, decorada com palmeiras e cercada por escarpas fosse naturalmente linda, tudo era ainda mais belo com você lá, e seu cheiro, que por tanto tempo havia permeado minha mente, acariciando novamente meu olfato, me fez sorrir por toda a viagem, e por ter sido de origem tão feliz, não reclamei da dor que acometeu meus músculos da face no fim do dia. Comemos num esplendido restaurante, e o delicioso sabor em meu paladar era o que faltava para completar a festa dos sentidos; sua beleza, seu cheiro e sua voz.
          Você foi tudo o que eu precisava pra ser feliz naquele dia. Quando ele terminou, finalmente com um beijo, você me perguntou:
          - Eu fiquei longe por anos, sem te dar nenhuma garantia, nada, e ainda assim você estava aqui, esperando pacientemente por mim.
          E eu então respondi,
          - Você não me deu garantia, mas eu me permiti sonhar sem ter medo de me machucar. Você, talvez indiretamente, me deu algo sem o que a vida não tem a mesma graça: esperança. Por isso e pela felicidade, ontem e hoje, eu só tenho a agradecer.
          E a lua por fim sorriu para nós, e as estrelas riram alegremente num burburinho. Teriam algo para fofocar.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A cor comum

          A primeira gota caiu enquanto eu ainda estava longe. Eu pude sentir. A maleta de adornos prateados que eu segurava em minhas mãos foi ao chão quando o misto de choque e adrenalina me atingiu em cheio, fazendo com que eu começasse minha corrida desesperada, deixando para trás meus pertences, que se espalharam pelo chão quando meu então inútil compartimento se abriu ao se chocar com o chão, num baque surdo que representava todas as esperanças que eu deixava para trás.
           Meus passos apressaram-se quando a segunda gota encontrou a primeira, misturando-se para começar a formar uma perigosa poça, que espelhava tudo aquilo ao que eu estava me dirigindo. Eu precisava chegar lá antes que gotas demais se embaralhassem num desgostoso anúncio que atirava minha inutilidade em meu rosto.
          A terceira gota atingiu o chão em tempo a se unir em dolorosa cumplicidade à minha crescente aflição. O tempo passava, e eu precisava alcançar o meu destino o mais rápido possível. Minha presença era vital, e a distância comprimia-se em velocidade perigosamente devagar, enquanto o tempo se esticava de maneira preguiçosa, sem pressa de passar, assistindo tudo àquilo como um espetáculo delicioso.
          Uma pequena poça já havia se formado com a quarta gota, e minha aflição rapidamente transformou-se em voraz desespero. Eu ia me cansando e deixando o cansaço de lado; se não alcançasse o destino a tempo, seria fatal.
          A quinta gota tocava o chão enquanto um sorriso perverso formava-se no rosto do ardiloso tempo, e a distância dobrava-se gentilmente, mas ainda sim devagar, e meu medo crescia aterradoramente.
          Eu a alcancei na sexta gota. Imagine meu desespero ao perceber que não eram gotas, mas uma cachoeira de sangue que deixava seu corpo, levando a vida que eu tanto amava embora. Me aproximei lentamente, e você sussurrou ao meu ouvido, “Eu tentei”.
          Mas eu não podia deixar você ir. Em um gesto de amor, uma tênue linha branca saiu das minhas veias e adentrou seu corpo, e enquanto me senti ligeiramente mais fraco, você se ergueu, seu rosto vívido novamente. Você olhou bem para mim, e seu sorriso expressou toda a felicidade que me moveu a fazer aquilo.
          Amar é dividir a vida.