quarta-feira, 7 de março de 2012

Dente-de-leão e Estrela Cadente

           Estava com os amigos, sentado ao pé de uma parede no térreo de um apartamento. Ao longe, o brilho do Sol reluzia, em seu dourado imponente, contra um prédio baixo, recoberto de ladrilhos. Já há um tempo desligado da conversa, o garoto admira a beleza da luz cálida e acolhedora do fim da tarde, e o céu rosado com suas nuvens. A conversa chega a seus ouvidos, mas seus pensamentos e idéias falam mais alto, e as palavras são facilmente ignoradas, fora quando, vez ou outra, um assunto lhe interessava; ele entrava então esporadicamente, para comentar e deixar suas tímidas palavras surtirem algum efeito em meio à discussão, somente para então voltar aos seus próprios devaneios.
          O garoto, com seus pensamentos, ia longe, em fluxos e jorradas repentinas de lembranças que iam e vinham, sempre por alguns segundos, uma cedendo lugar à outra em uma sucessão de sentimentos que aquelas imagens e emoções relembradas lhe traziam. Aquelas férias foram especiais. Lembrava-se de como queria que fossem as melhores, e de como a incerteza lhe deixava temeroso. Mas suas preocupações adolescentes esvaiam-se rapidamente, e com sua mágica e tão fantasiada liberdade de dois meses se aproximando lentamente, ele procurava maneiras de garantir sua satisfação nessa empreitada pelo prazer.
          Queria porque queria beijar a boca pequena de Maria. Já era hora, ele dizia a si mesmo, de libertar-se de suas correntes que prendiam-no à um patamar inferior à seus colegas; era hora, dizia a si mesmo, de crescer. Devaneara por muito em mil maneiras de tocar aqueles lábios suntuosos com os seus; pois o que tinha de ingenuidade, tinha de imaginação, e em seus sonhos podia sentir o toque perfeito da boca magnífica que era a da garota com que sonhava. Maria vinha visitar, vinda de bem longe – seus pais eram antigos colegas de trabalho; suas mães não se davam bem (pequenos pormenores), e ele havia estado muito ansioso por aquela visita especial. Não via sua amiga há muito, desde que eram pequenos. Mas sonhava, e como sonhava!
          Perdido em seus pensamentos, não percebeu quando virou o assunto da conversa de seus colegas do lado de fora. Riam, mas risos de brincadeira, não de deboche. Não o humilhante e pérfido deboche, mas uma brincadeira. “Ela te beijou, não foi?”; e riam.
Mas ele só fez rir junto, para depois voltar aos seus sonhos. Falasse com os amigos depois, ali mesmo não estavam exigindo muito sua presença.
          Querendo por estar querendo, ele começou então, de repente, a contestar os próprios planos. E se não acontecesse? O medo que lhe acometeu foi tamanho, que resolveu tomar suas próprias garantias. Esperou na frente de sua casa, numa tarde qualquer, que viesse o costumeiro dente-de-leão que todo dia aparecia por lá. Catou-o no ar, fez seu pedido e o soprou, pondo toda a sua fé naquele sopro que levou a semente para longe, para o alto. Já pedira à estrela cadente antes, mas nunca a dente de leão. Naquele segundo, pensou se não estaria errando ao manter aquelas idéias infantis na cabeça, mas lembrou dizerem que certas virtudes não se abandonam, achou bonito, e manteve sua fé.
          Então veio Maria. Bonita como nunca e ninguém, com seu corpo bem formado, seu rosto singelo e sua boca pequena, adentrou a porta da casa com um olhar meio perdido, como quem procura uma referência. Seus olhos percorreram o lugar lentamente, e por fim se puseram no rosto do garoto, num sorriso que lhe brilhou os olhos e iluminou o coração, agora ansioso e palpitante. Abraçaram-se, e pais e mães ficaram para trás quando foram lado a lado por entre a casa. Deixaram a mochila de Maria no quarto e partiram para o quintal, para as flores e para os pássaros, que não foram pouco calorosos em sua recepção colorida do casal que adentrava seu meio.
          A conversa do lado de fora ganhou mais risadas, e de súbito, gargalhadas. Arrancado de seus devaneios, o garoto olhou confuso para seus amigos, mas a gargalhada não parecia ter motivo dos mais engraçados. Até lhe recontaram a piada, antes que ele voltasse para seu interior, e ele fingiu que riu, e fingiu bem, para depois voltar... onde estava mesmo? Ah, no banco. O banquinho de madeira branca que tinha no jardim. Maria falava, e tinha tanto para falar! Conversava como ninguém, e sua fala mansa, sua voz tão meiga embriagava os sentidos, entorpecendo o garoto, que ainda assim não perdia o foco em nada do que ela lhe dizia. Falava-lhe de gostos, idéias, lembranças, lugares. Falava-lhe muitas coisas, e o garoto, que antes temera não saber o que dizer, via-se imerso em tanto assunto, que difícil era não falar nada. Comentava, respondia, concordava, e a conversa andando. Maria, seu sonho, tão bela, tão bonita; ali, em sua frente... será que ela pensava o mesmo?
          A conversa rumou para a música, e voltaram à casa para sentar-se ao piano da sala de estar, e o garoto tocou as mais belas canções, e Maria sorriu o mais belo dos sorrisos, e os dois amaram-se, um ingênuo amor dos mais belos, onde a simples sintonia torna desnecessárias palavras e gestos. As notas tocadas com paixão ressoavam por toda a sala, e o todos os sentimentos, traduzidos em som, adentraram o coração de Maria pelos seus ouvidos, e Maria, sentada ali ao lado, apaixonou-se.
          Pronto! Francisco (o garoto) era agora puro êxtase, sentia os corações palpitarem juntos e os sentimentos transporem quaisquer barreiras físicas que lhes eram impostas. Seus desejos haviam sido realizados. Tocado o último acorde dá última música, ele se virou, e ela estava a um palmo de seu rosto, com sua boca pequena entreaberta e seus olhos fechando-se, o calor da respiração dela em seu rosto...
          - E você, Chico? – seus amigos tiram-no novamente de suas lembranças. – Acredita em fita do Bonfim pra realizar desejo?
          Depois de pensar por alguns segundos, respondeu:
          - Nunca tentei...
          - Mas acredita em alguma outra coisa?
          Com um sorriso, disse: - Sim. Dente-de-leão e estrela cadente.
          Os amigos riram. Não era o pérfido deboche, eram só risadas com as quais já se acostumara. Refletiu que que não era o ato de soprar o dente-de-leão, ou secretar seu pedido à estrela cadente; mas sim acreditar naquilo que tornava os desejos realidade. Seus olhos perderam-se novamente no horizonte. Ao longe, o Sol brilhando em seu dourado imponente.

2 comentários:

  1. Perfeitoooos os textos, você vai ter muito sucessooooooooooooo, só não se esqueça da melhor anônima de todass ! kkkkkkkkkkkkkk bjjjjjj

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