domingo, 23 de outubro de 2011

Amizade

          Sentado em uma das montanhas dos Alpes, o viajante determinado sacou de seu bolso um resquício de civilização, uma barra sólida envolta em uma embalagem laminada dourada. Ainda conseguia sentir o gosto, apesar do frio que entupia suas narinas por desencadear sua alergia, e o impedia parcialmente de sentir os sabores. Por um breve momento, o viajante lembrou-se de alguns meses atrás, quando conversava com sua mais fiel companhia. Seus cabelos loiros lhes recaiam aos ombros quando ela o encontrou no restaurante, naquele dia.
‘Você realmente não pode ir?’ ele a perguntou tristemente, mais uma vez.
‘Sabe que não. Tenho trabalho por aqui... Além do mais, uma viagem à Itália seria muito cara nesse momento.’
‘Já disse que posso pagar por você!’
‘E eu já disse que não vou deixar você fazer isso. É caro demais.’
‘Amizade não tem preço.’
Ela sorriu. Os dois eram amigos há muito tempo.
‘Por mais que eu queira compartilhar essa felicidade com você, não posso ir. Por favor, entenda!’
O homem baixou a cabeça. Entendeu por fim que seria impossível convencê-la, e pouco tempo depois, ambos deixaram o restaurante, o viajante despedindo-se penosamente de sua melhor amiga.  
          Agora, no topo de uma montanha das mais altas, congelando no frio das mais altas atitudes dos Alpes do Piemont, o viajante questionava em silêncio a amizade, mesmo que uma parte de si culpasse a si mesmo por isso. Ele imaginava se ela estaria feliz, no conforto de sua casa, longe dele e de suas extravagantes viagens, talvez quentinha em seu sofá, aproveitando uma televisão... O exato oposto dos desejos do viajante. Ele ansiava por aventura e conhecimento, e um lugar novo era como um tesouro conquistado para ele. Ele sempre imaginava que ela também era assim, mas parecia que naquele momento de necessidade emocional, sua amiga havia falhado para com ele.  Ansiava por voltar e vê-la, pois sentia sua falta, mas imaginava se o sentimento seria recíproco. A neve caía em torno dele, enfatizando sua solidão e tristeza ao mesmo tempo em que dava beleza à cena e à paisagem. Pensar nela assim provocava uma nostalgia recente, ele resolveu voltar o mais rápido possível para reatar a amizade e cessar aquela dúvida em seu coração.
          Durante a volta, no avião, ele imaginou todos esperando por ele no aeroporto, prontos para ouvir suas histórias e desejosos de compartilhar de seu recém-adquirido conhecimento. Dormiu por alguns instantes. Sonhou com sua amiga e, quando acordou, desceu do avião, dirigindo-se ao desembarque, pronto para ser recebido por mãos calorosas. Estaria sua amiga entre as mãos acolhedoras que lhe esperavam? Quando desceu e caminhou com um meio sorriso no rosto, viu diversos rostos e pessoas que sorriam em sua direção. Em sua direção, mas não para ele. Os outros passageiros passaram por ele, e as pessoas à espera não esperavam por ele, mas pelos outros; e lentamente, todas as pessoas foram desaparecendo. Por fim, apenas uma permaneceu para ali, com sua presença significativa, as mãos juntas à frente do corpo, segurando uma bolsa, e o sorriso ostentado no rosto, o mais puro e verdadeiro o possível. Era a amiga. Quando ele se dirigiu a ela, abraçou-a nostalgicamente, e condenou-se por ter duvidado dela, ela lhe disse:  ‘Eu quis ir, mas não pude. Os verdadeiros amigos nem sempre podem estar ao seu lado, mas vão se esforçar para fazê-lo sempre que possível. ‘
          Ambos caminharam para longe do aeroporto, firmando em suas vidas mais um capítulo da infinita amizade que há tanto tempo fora selada.

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