quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Paixonite e um falso suicídio

          Esta madrugada acordei com paixonite. A noite já se despedia, e junto a ela, eu dava adeus mais uma vez à minha cidade natal. Mas que fique claro, não foi esta a me adoentar com o vírus imaterial da paixonite; foi, pois, uma garota não muito singela, talvez um pouco meiga, muito bonita e com um jeito apaixonante de ser única. É claro que, sendo apenas uma paixonite passageira, logo passará, mas por toda viagem me atormentei em pensar em quão escassas nossas conversas foram até o momento, e constatei que realmente tenho problemas para conversar com pessoas que insistem em desviar minha atenção para sua deslumbrante beleza.
          Sempre me assusto ao constatar que a paixonite não está entre as 100 piores doenças existentes (pelo menos não oficialmente). Apesar de não ser fatal – mesmo que por vezes seja, se bem que indiretamente – ela provoca horríveis dores na vítima, dores psicológicas que por vezes são sentidas como se fossem reais; sem mencionar a asfixia momentânea ao olhar para a/o transmissor(a) e a vergonha que se sente ao perceber que o que se acabou de dizer é absolutamente ridículo.
          Não é preciso de assistência médica para diagnosticar a paixonite: você sabe quando tem. Se bem que a medicina realmente nunca teve participação muito promissora no tratamento da doença, que normalmente é combatida usando conselhos e sabedoria popular, métodos rústicos que muitas vezes se provam ineficientes. O melhor remédio para a paixonite é o contato íntimo e direto com o transmissor. Após certo tempo de medicação, os sintomas desaparecem ou são revertidos, ou mesmo agravam-se (se é que este é o termo certo), dando lugar à uma necessidade absoluta de se estar ao lado da pessoa que o contaminou – e a qual você também contaminou, para o agravamento completo.
          O Sol nasce e me recuso a olhar mais uma vez para a cidade, com medo de sofrer permanentemente de outra doença: a saudade, que pode também vir na forma de nostalgia. Coloco a última das malas no carro e fecho o compartimento. Subo ao apartamento mais uma vez só para chamar quem ainda está por lá, enquanto redijo esse texto mentalmente e imagino se ela algum dia o lerá. A visão acidental do sol sobre as casas e o prédio solitário ao longe derruba qualquer resistência minha e eu vou até o parapeito, dando uma última olhada para o local onde nasci, enquanto reviso mentalmente estratégias que sei que são e já se provaram inúteis para destronar a vontade monárquica de estar próximo à transmissora. Respiro pela última vez o ar da minha cidade e pulo pela janela do apartamento.
          Não, brincadeira, eu desço as escadas e entro no carro, em direção à outra cidade querida. A saudade, não só da cidade quanto da garota, vai me torturar por algum tempo, eu sei. Mas eu acho que resisto; se bem que isso só o tempo dirá.     
             

Um comentário:

  1. Eu sobrevivi, e uma semana depois encontrei alguém muito melhor; Alguém que me fez rir desse texto... rsrsrs. É incrível olhar para trás e rir da nossa própria capacidade de exagerar e errar nossos próprios sentimentos (se é que isso acontece com mais alguém...)

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